Capítulo 2 - Trezentos Pulos

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Como Mo Tian poderia ter se esquecido do objeto central do festival? Ele queria ser açoitado até a morte?

Mo Tian não parava de se cobrar enquanto se afastava da concentração de servos finalizando os preparativos e se dirigia até o prédio construído na época que o Celestial Coelho andava entre Lanhua — ao menos, era o que diziam as lendas. Aquele pavilhão feito de jade era chamado de "gigante adormecido", mas também poderia ser "gigante proibido".

O monumento ocupava a visão até o céu, e poucas pessoas tinham acesso ao seu interior. Mo Tian sabia se tratar de uma espécie de mausoléu, justamente por ser uma das raras pessoas em contato direto com o atual líder dos Lanhua, o único ser vivo autorizado a explorar o espaço quase divino.

Por ser usado em todo início de ciclo lunar, o ornamento do coelho era deixado no prédio ao lado, uma construção mais simplória basicamente utilizada como depósito para festividades.

Com a caixa pesada, Mo Tian entrou e se deparou com inúmeras outras caixas e tambores empilhados, objetos acumulados em estantes e muito, muito pó. Ele remexeu o nariz irritado, tal qual uma lebre, e perdeu a vontade de espirrar. Queria livrar logo as mãos pra esfregar nariz e olhos, pegar o que precisava e sair logo dali.

Ah, talvez fosse isso. Seu senso de preservação apagando da memória o pedido de busca para não precisar ir naquele lugar imundo. Desde que um servo encontrou o que não deveria e trocou peças de lugar, o líder não permitia ninguém sequer limpar a espelunca, deixando-a suja, amarrotada e imersa em tanta poeira que era possível ver os grãos flutuando no ar.

Devolver a caixa foi fácil — era só colocá-la junto com as outras luminárias, no único espaço vazio, de onde justamente foi retirada momentos antes. Após largá-la ali, causando um barulho que repercutiu entre os corredores, tinha que se apressar até o ornamento antes da escuridão tomar os céus. Fazia um ano que não ia até lá, mas o objeto era inconfundível, tamanho o esplendor.

Não precisava sequer ser limpo, pois a deterioração humana não o atingia.
Além de ter um cheiro muito específico de ninféia — era só o seguir naquela bagunça e poderia respirar aliviado.

Não havia janelas para que pudesse calcular quanta areia de sua ampulheta mental faltava cair até que o líder do clã percebesse a falta do objeto cerimonial mais importante, porém o barulho servia de indicativo. Ainda não havia música de tambores, mas as vozes começavam a se aglomerar, prestes a formar uma multidão de passagem, enquanto Mo Tian fungava o ar como os cachorros faziam. No entanto, não havia o menor sinal do aroma da flor azul.

Mo Tian sentiu uma sensação gélida tomar a boca do seu estômago. O tempo passava, ele se apressava entre os corredores, via uma ou outra coisa inútil, velas fora do lugar, cestas e bandejas umas sobre as outras, livros amarrotados, mas nada do ornamento.

Aquele lugar realmente precisava ser limpo! Quanto tempo lhe restava? O tumulto já era audível, junto com as batidas aceleradas do coração. Desejou que Yawen Chen estivesse ali; ela parecia ter o poder ancestral de achar meias e chinelos perdidos quando ele próprio já tinha procurado minuciosamente. No final, as malditas meias pareciam ter sido transplantadas para lugares que ele já tinha olhado pelo menos três vezes.

Um poder concedido às mães, sem dúvida...

Mo Tian estacou de supetão, a expressão de iluminação como se tivesse atingido o nirvana. Tudo o que precisava fazer era agir como uma mãe. Precisava pensar como Yawen Chen, que, apesar de não ser mãe, agia como tal. E o que ela faria era óbvio!

— Celestial Coelho, Ta Yeh, prometo a você cem pulos se eu encontrar seu ornamento — Mo Tian entoou como se lembrava, as mãos se apertando juntas. Apertou mais forte, espremendo as sobrancelhas. — ...mais duzentos se eu achar antes que o líder do clã perceba...

Revivi acidentalmente o Celestial CoelhoWhere stories live. Discover now