27. Cinzas do Passado

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HENG

Heng acordou sentindo um gosto metálico na boca. A cabeça doía. Tinha tido um sonho estranho, no qual dividia uma mesa na estalagem no fim do mundo com a mulher mais bela que ele já vira. Estavam esperando pela apresentação de um bardo ou qualquer coisa desse gênero.

Tolice.

Aquele era o fim do mundo, mas não havia nenhuma estalagem por perto.

No topo do promontório, o castelo continuava a arder. As chamas que o haviam consumido não eram mais discerníveis, mas o vento espalhava as cinzas por longas distâncias. A fuligem flutuava no ar, quase como flocos de neve. O aroma de queimado impregnava o vento, mas Heng não conseguia determinar se ele vinha do castelo ou de sua própria casa.

Ele se colocou de pé. O mundo todo girava. O lugar onde haviam lhe dado uma pancada ainda doída. Ele se obrigou a continuar firme. Tinha vontade de vomitar, mas não havia nada em seu estômago.

Na verdade, parecia não haver mais nada no mundo.

As árvores, porém, ainda estavam lá. Os troncos serviram de apoio enquanto ele cambaleava para fora do bosque e as copas pareciam observar enquanto ele atravessava o pequeno trecho descampado de modo vacilante até a sua casa.

Ou ao que tinha restado dela.

As ruínas da Casa Stoneregis assistiram um rapazinho imberbe revirando as cinzas de seu próprio lar. A última casa justa do sul havia finalmente sucumbido diante do Império. O mundo que Heng havia conhecido não existia mais. O que seria de Pedra do Rei agora que não havia uma Casa Nobre para olhar por ela?

A residência da família Aster tinha sido reduzida a um monte de pedras fumegantes. Seus pais estavam mortos. Sua irmã tinha sido levada. Haviam sobrado apenas três espadas puídas, ainda quentes devido às brasas e meio soterradas nas cinzas. Heng conhecia as histórias daquelas lâminas, afinal elas se confundiam com a de sua família.

As mãos de Heng pareciam menores quando ele se abaixou para pegá-las. Pareciam mais lisas e desajeitadas, completamente diferentes das mãos de um soldado que havia vivenciado mil batalhas.

Aquele era um estranho pensamento e Heng simplesmente o rechaçou. Ele nunca tinha sido um soldado. Suas mãos, portanto, refletiam apenas aquilo que ele era: um menino fraco, incapaz de proteger seus entes mais queridos.

Heng prendeu as espadas no cinto desgastado e continuou a andar.

Ouviu um som estranho e se voltou na direção do celeiro. O telhado havia cedido e a construção estava meio tombada de lado, como se estivesse prestes a desabar. Com a entrada principal bloqueada, ele precisou entrar por uma pequena abertura na lateral.

Ouviu um choro.

Nina! Seria sua irmã?

Atrás de uma pilha de madeira meio consumida, uma garota se escondia. Era velha demais para ser Nina. Na verdade, parecia ser um pouco mais velha que o próprio Heng. Era magra, com os cabelos negros presos numa trança desgrenhada. As roupas estavam rasgadas, mas ainda possuíam uma certa... nobreza.

Ela desenterrou o rosto das palmas das mãos e voltou os olhos verdes para ele. Embora seu rosto estivesse inchado de tanto chorar, Heng a reconheceria em qualquer lugar. A tinha visto muitas vezes antes daquela terrível guerra começar.

— Princesa Tylda? — ele perguntou, chocado.

A expressão no rosto dela era a encarnação do medo.

— Por favor, não faça nenhum mal comigo. — ela implorou. — Não conte a eles que eu estou aqui!

Heng duvidava que a lendária princesa Nola tivesse desejado isso para o seu próprio sangue. Seu marido, Athor Andill, jamais compôs uma cantiga que previsse um destino tão cruel. De qualquer modo, não era o final de tudo. A Princesa Tylda estava ali, resistindo bravamente como o último fruto da sua linhagem. Por causa disso, ainda havia esperança. Por causa disso, Pedra do Rei poderia sobreviver.

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