10. O Príncipe Ferido

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O antes e o agora bailavam na tênue linha entre o desnudar da vida e o cingir da morte. Lana havia esperado por aquele momento desde que seus olhos haviam se aberto para a nova vida, mas ainda sim havia qualquer coisa de terrível sobre ele. Ela bem sabia o que era. A causa de tudo não havia sido ela.

Os edifícios que compunham o Palácio Imperial estavam escuros e quietos quando Lana acompanhou o médico até o prédio principal. Faltavam ainda algumas horas até o amanhecer, mas o céu já ameaçava mudar de cor. Um guarda solitário fazia a ronda noturna enquanto outro os escoltavam. Um vento frio e sussurrante soprava em seus ouvidos, compondo uma sinfonia com o som de suas botas afundando na neve. 

O edifício principal era chamado de Salão da Chama Eterna e recebia esse nome devido as lareiras, que nunca deviam ser apagadas. Em seus três gigantescos andares de madeira, abrigava os aposentos pessoais da família real e a sala do trono, onde Imperador recebia as demandas. Estava afastado das demais construções por um longo pátio ladeado por estátuas de pedra, que acreditava-se estar repleto de armadilhas para deter invasores. Se esses boatos eram verdadeiros, aqueles que alegavam a existência de inúmeras passagens secretas dentro do palácio também deviam ser. Lana, inclusive, lembrava-se de ter se deparado com algumas delas em sua outra vida.

A decoração luxuosa adquiria contornos lúgubres devido a baixa iluminação, e Lana não pode evitar comparar o palácio a um cenário de uma história macabra enquanto subia as escadas. O aposento do príncipe ficava no segundo andar e era guardado por dois membros da Guarda de Elite. O guarda que abriu a porta para eles possuía um rosto tão pálido que bastava olhar para ele para saber que havia algo terrivelmente errado. 

— O Médico Imperial, Lorde Lewie Yohan, e a sua esposa, Lady Tiana. — anunciou.

— Trago-os aqui. — respondeu uma voz feminina, completamente embargada.

A lareira crepitava numa ponta do aposento e suas chamas lançavam estranhas formas lamentosas sobre o quarto. Embora Lana compreendesse o que se passava, nada a tinha preparado para aquela visão. Estirado na cama, jazia o Príncipe Herdeiro. Os olhos cerrados pelo sono lhe conferiam uma curiosa expressão de serenidade, mas ela não pode reprimir o asco ao lembrar que passara toda uma vida casada com ele. Junto a ele, pairava a figura sólida de um homem robusto, enquanto um eunuco agitado andava de um lado para o outro em frente as janelas. Uma bela senhora estava sentada à beira da cama, com longos cabelos salpicados de prata lhe escorrendo em desordem pelas costas. Apesar de parecer alguém que tinha acabado de sair da cama, nada havia de sonolento em seus olhos. Lana prendeu o ar ao reconhecer as duas figuras, e acompanhou seus mestres quando eles fizeram uma reverência solene para saudar o Imperador e a Imperatriz.

As palavras trocadas entre o Imperador e o doutor Lewie se perderam para sempre no ar e jamais foram absorvidas pelo intelecto de Lana. Toda a sua mente estava voltada para a figura que convalescia sobre o leito. O príncipe Ivan ainda estava calçado com suas botas. Lama seca e restos de vegetação se agarravam ao couro onde os pés do herdeiro imperial se projetavam da manta que o cobria. Um emaranhado de roupas jazia no chão, cobertas com manchas vermelho-amarronzadas. Tudo cheirava a sangue e a morte.

Uma fincada atingiu o peito de Lana quando ela se aproximou da cama. Talvez, em algum momento do futuro, ela pudesse acreditar que as memórias nefastas que ela trazia de outra vida não passavam de um sonho, mas ver aquele homem tornava tudo real, pois ele era o causador de todas elas. Revê-lo a fazia lembrar de todas as suas dores e as suas mágoas. Revê-lo a fazia lembrar porque ela estava ali. 

O rosto dele era jovem e intacto, idêntico a como estava quando eles se conheceram. No passado, Lana tinha apreciado cada um de seus traços, mas agora sentia nojo deles. Ela não conseguia entender que beleza havia visto naquelas sobrancelhas grossas ou naqueles lábios carnudos. Mas, principalmente, ela não conseguia entender qual instinto a estava reprimindo tanto e imobilizando seu corpo. Seu coração pulsava de ódio, bombeando desejos assassinos, mas suas mãos quase não responderam quando seu mestre pediu que ela trouxesse a maleta e a abrisse no chão a sua frente.

O Despertar da FênixOnde as histórias ganham vida. Descobre agora