Flashback on

A visibilidade diminui com o aumento da chuva, quando paro em um sinaleiro, Cloe sorri para mim e beija minha mão, depois deposita a mesma em sua barriga, sinto o nosso filho chutar.

Quando o sinal fica verde, retiro minha mão de sua barriga, voltando ao volante e acelero, com um sorriso bobo no rosto. Quando olho para o lado direito onde está Cloe vejo uma luz muito forte, mas é tarde demais. O som estrondoso de lata se chocando, pedaços de plástico com lata emergem, a dor latente na minha cabeça pela pancada, que por pouco não fez o carro capotar.

Quando o carro para, sentir a dor lancinante do impacto, a visão turva e a sensação de estar flutuando. Recobro os sentidos e olho para Cloe, o vermelho púrpura desce pela lateral direita do seu rosto, o líquido ainda quente e vivido me apavora. Há sangue em seu rosto e nos braços,  pois ela havia colocado a mão na barriga para proteger nosso filho durante a pancada.

Meu olhos se tornaram sombrios, e o desespero é nítido em meus poros, meu coração parece ter sido arrancado e a dor é latente.

A chamo pelo nome e vou diretamente no pulso dela. Estou trêmulo, o choro é livre, sinto sua pulsação, nem percebi quando o outro carro saiu em disparada, desço do carro e tento dar a volta,  mas é inútil,  o carro está totalmente destruído na lateral.

Imediatamente volto para o lugar do motorista, pego meu telefone e ligo para a emergência.

*

— Cloe fica comigo amor. — Choro muito, mas tento não demonstrar para ela. Sabe aquele choro contido, que dói na alma. Tento tocar sua barriga, para ver se nosso filho está bem, mas estamos em total silêncio. Até que aparecem outros carros que param para nos ajudar.

Enquanto o socorro chegava, tentei reunir meus pensamentos. Sentia o medo e a ansiedade tomando conta, não só pela dor física, mas também pelo desconhecido que aguardava adiante.

A chuva continuava a cair, agora misturada com os lamentos das sirenes de ambulâncias e viaturas de resgate que se aproximavam rapidamente. As luzes vermelhas e azuis piscavam, criando uma aura surreal ao redor do acidente.

Acompanho tudo bem de perto, eles colocam primeiro o colar cervical e medem os batimentos cardíacos, uma equipe tenta arrancar a porta totalmente amassada. Tudo parece estar em câmera lenta.

Quando finalmente estamos no hospital o médico vem me atender e perguntar se estou bem. Eu seguro em seu jaleco em soluços falo:

— Salvem a minha mulher, pelo amor de Deus doutor. — Meus gritos são ouvidos pelo corredor.

— Calma, vamos fazer o possível. — Ele fala tentando ajeitar a roupa, após eu soltá-lo.

— O possível o caramba, se não salvar ela, eu derrubo esse hospital. Meu desespero tomou conta.

— Sim, sim, deixe eu fazer o meu trabalho, vou pedir para trazerem um remédio para você. — Ele fala e entra pela porta onde levaram a Cloe, pois não deixaram eu acompanhá-la.

Minutos depois vem a enfermeira e me traz um remédio para dor. Que eu desconfio ser na verdade um calmante, mas não protesto, minha angústia é maior.

Quando o remédio surte efeito eu fico mais calmo e sento, porém as lágrimas quente banham meu rosto enquanto a chuva continuava a cair, como se chorasse pelas consequências inesperadas do trágico acidente.

Após meia hora aproximadamente o mesmo médico vem conversar comigo:

— Precisamos tirar o bebê ou ele não vai resistir, sua esposa está em coma e tem a possibilidade dela não sobreviver. — Meu mundo desmorona ali naquele hospital.

Eu desço ao chão em sinal de desespero,  urrando de dor na alma, pois meu coração já foi arrancado e coloco as mãos nos olhos me permitindo chorar.

Flashback off

Pérola está chorando comigo, ela me abraça, eu me permito chorar. Deito em seu colo e junto às pernas como um bebê que se encolhe de frio, os soluços são contidos, juntos dele está uma amargura e uma dor retraída de 8 malditos anos, em que não toco nesse assunto com ninguém.

Ela não fala nada, só faz carinho no meu rosto, enxuga minhas lágrimas, às vezes embala meu corpo, como uma mãe que consola o filho.

— Não quero sua pena, não quero que esteja comigo por dó. — Falo me sentando repentinamente. — É melhor você sair do meu quarto preciso ficar só. Fico agitado, não preciso que ela sinta pena de mim. — Podemos continuar essa conversa em outro momento, realmente não consigo falar agora é muito dificil reviver tudo isso, por anos tentei esquecer.

— Você ainda a ama? — Ela fita meus olhos e franze a testa, esperando por uma resposta.

— Estou confuso, especialmente agora que te conheci. Ainda não tenho certeza dos meus sentimentos. Sinto as batidas do meu coração acelerarem ainda mais, o peito dói de uma forma estranha. — Acho que estou tendo uma crise de ansiedade. Preciso ficar sozinho." Ela balança a cabeça em concordância, me dá um selinho e sussurra no meu ouvido: "Estou aqui para você!" Em seguida, sai, fechando a porta.

Eu me acomodo na cama, envolto por um sentimento de inutilidade e derrota.

Encontro FatalWhere stories live. Discover now