SOUR CANDIES - Contos de um Mundo Cruelmente Colorido

"BLUE JELLY"

"BLUE JELLY"
SS 01 - SOUR CANDIES

FIRST

No centro do palco todas as luzes, todas as câmeras, todos os olhos e dedos estão voltados para elas. Por si só, ser uma superstar não é uma tarefa fácil, mas, muitas e muitos a perseguem com afinco. Afinal, ali em cima do palco, bem vestidas e maquiadas, lindas, exalando frescor e exibindo todo o seu charme, elas eram uma estrela! Uma estrela da música pop coreana. Ou melhor, uma Idol, estamos na era da pós-contemporaneidade, faça-me o favor. Elas são amadas, veneradas e idolatradas, mas também odiadas e massacradas, por milhões de pessoas ao redor do mundo.
Como bem sabemos, a Coreia do Sul fez uma ótima lição de casa: pegou as melhores partes de toda música popular mundial (leia-se norte-americana), misturando batidas eletrônicas,  muito colorido, com refrões grudentos feitos para fácil consumo, e recriaram o que os jovens são fascinados há muito tempo, a música POP. E assim, provando que podem fazer mais e melhor que o resto do mundo, a Coreia do Sul inventou o K-pop!
Não desmereço em momento algum a lógica por detrás desta indústria. Pelo contrário, eu a admiro muito e admiro apenas venho lhes contar alguns contos sobre algumas garotas que se enveredaram por esse mundinho multicolorido pintado com tintas tão cruéis. Nestes contos, a realidade pode ter sido a fonte primária de inspiração, mas a ficção foi a fonte secundária principal.
Então, vamos ao que interessa,  seguindo nosso lema: o que acontece no K-pop, morre no K-pop. Dito isso, vem comigo para conhecer a primeira delas.

BETH (배스)

Caminhando apressada por um corredor com paredes brancas e todo iluminado, Beth seguia para o camarim, após uma breve passada no banheiro. Estava afobada, cheia de pensamentos conflitantes na cabeça, como aquela parte chata da coreografia do novo single que ela não conseguia pegar por conta dos giros duplos e sua posição à esquerda, que a confundia demais. Abriu a porta com tudo e quase bateu de frente com a Cindy.
— Ai, que susto! — Beth disse, quase num grito. Logo em seguida, foi arrastada pelo braço pela própria Cindy para fora do camarim.
— O que você tá fazendo aqui? — indagou Beth, sem entender porque a amiga estava no camarim do seu grupo e não no dela. Ainda mais em plena época de promoções, onde as duas promoviam suas novas músicas.
— Você jura que não tá sabendo ainda? — perguntou Cindy com os olhos arregalados. Beth negou sem entender, e começou a se assustar com o olhar da outra — Está em todos os tabloides e websites do país e da China, falando sobre o escândalo que você causou com aquela maquiadora.
— Como assim? — Beth perguntou, puxando na memória quem poderia ter sido.
— Não acredito que você não olhou o Weibo nem o Kakao hoje!? — Cindy indagou alarmada. Olhou para os lados, virou a tela de um celular para a amiga e contou um pouco do que aconteceu — Ela postou no Instagram ontem! Dá uma lida…
Beth pegou o celular da mão da amiga, entrou no camarim e os olhos foram se arregalando conforme lia. Cindy continuava ao seu lado, em frente a porta do camarim, enquanto as demais membros lá dentro continuaram conversando, sem entender o que  acontecia.
Desde que debutou como Idol sendo líder de um grupo de cinco meninas chamado Blue Jelly, a vida da Beth nunca mais foi a mesma, para o bem e para o mal. Na realidade, sua vida mudou completamente assim que se juntou à empresa PS Entertainment, ainda como Kwon Sun-hee, seu nome original, vinda de Daegu para viver como uma trainee por alguns anos. Durou cinco. Mediante as habilidades aprendidas e os anos gastos com excessivos treinos, algo dentro de Beth mudou e não foi só sua flexibilidade física, sendo a mais flexível do grupo, nem a sua aparência, modificada por pequenos procedimentos cirúrgicos. O que mudou mesmo foi o interno.
Desde dois mil e quatorze, Beth e as outras quatro integrantes sempre tiveram muita visibilidade na mídia, nos palcos e nos MVs (ou seja, music videos, como são chamados hoje em dia os antigos vídeoclipes) do Blue Jelly, uma vez que o grupo pertencia à uma das maiores empresas de K-pop da Coreia do Sul, a PS Entertainment. Além desse detalhe, a beleza da Beth foi um grande destaque desde o começo, tanto que, além de líder, ela era a "Visual" do grupo, com um rosto fino, maxilar reto formando um V até o queixo afinado, assim como o nariz pequeno e arrebitado. Os olhos e os lábios eram clássicos e do tamanho ideal ao padrão sul-coreano, e em pouco tempo ela começou a ser chamada de "Unique Visual da nação", tendo seu rosto estampado em vários lugares, desde outdoors com produtos de maquiagem até embalagens de gelatina em pó e água mineral.
Ela estava em todos os lugares. Era o orgulho dos Kwon e sua imagem ajudou a elevar os lucros do pequeno restaurante da família em Daegu. Seu salário era sempre maior do que as demais membros do grupo, tudo por conta da enorme quantidade de merchandising que fazia. Afora isso, Beth era conhecida por ser gentil, educada e tímida fora do palco, às vezes, tida até como arrogante por seu jeito quieto e de poucas palavras. Com os fãs, sempre esboçou seu melhor sorriso, sendo simpática na medida certa e fazia sua parte como ninguém.
— Ela é uma mentirosa! — Beth largou o celular na mão da Cindy e se sentou numa cadeira de frente ao espelho. Heejin levantou-se do pequeno sofá e tocou no ombro da amiga:
— Sun, aconteceu alguma coisa?
— Me solta! — disse Beth  e imediatamente Heejin a soltou, mas continuou próximo dela, aguardando. Ela não respondeu, olhando para baixo e para o espelho, visivelmente alterada, nervosa, ansiosa ou tudo isso junto. Sua respiração começou a ficar acelerada e a feição séria.
— Bom… foi isso que aconteceu. — Cindy disse, mostrando pra colega o celular com a notícia.
Assim que terminou de ler, Heejin disse:
— Ei, então quer dizer que eles ainda suspeitam de mim? — Ela riu sarcástica. — É óbvio que não fui eu. — Virou-se e disse nas costas da Beth — Como você bem previu, a mais provável de ter feito algo assim é a Sunsun aqui…
Assim que Heejin a apontou, Beth se virou raivosa e disse:
— Fica na sua, garota! Isso é só um boato. Eu não falaria assim com ninguém! Cindy, você me conhece, sabe que eu não teria capacidade de…
— Para de fingir, Sunhee! — Heejin disse, interrompendo a Cindy. — Todas sabemos que isso tem muito a sua cara. — Beth a olhou furiosa, impactada pela sinceridade da amiga, mas nada disse, pois Heejin a conhecia há quase dez anos, fazia parte do mesmo grupo e da mesma sub-unit, a "Jelly BH", por isso a suspeita do nome da Heejin nesta notícia relacionado à Beth.
— Merda! Mas, isso não pode ser levado em consideração como verdade. Quem "essazinha" Hyojung pensa que é? Ninguém! — Beth disse quase gritando, ajeitando o cabelo com a mão em sinal de desespero falsamente contido — Uma maquiadora qualquer, sem qualificação e que se acha importante só porque trabalhou com algumas das mais famosas Idols do K-pop como eu; agora, tá aí, se achando a "fodona" com esses míseros seguidores! Ninguém vai acreditar nela.
— Eu acredito. — Heejin disse cruzando os braços e voltando ao sofá — Ué, você é bem capaz disso… Num tá vendo?
Cindy ficou sem ter o que dizer, afinal, diante do que acabou de ver e ouvir, ainda que por conta da raiva, Beth demonstrava mesmo um temperamento bastante altivo. Beth olhou para as duas incrédula.
— Não é possível! — disse, levantando-se da cadeira de maquiagem apressada, tentando respirar fundo, com a cara fechada, ainda que belíssima. — E vocês? — Beth virou-se para as três restantes que estavam ainda no sofá, distraídas com um tablet na mão e não responderam de imediato. Beth bufou com desdém e saiu do camarim agitada, batendo a porta com força.
— O que aconteceu? — perguntou sem nenhum alarde a Anna, a estrangeira do grupo. Cindy respirou fundo para responder:
— A Beth foi vítima de um escândalo na internet. Uma maquiadora publicou um texto no Facebook falando sobre o tratamento que recebeu de uma Idol, dizendo que foi xingada, maltratada, chutada e muito desreitada por ela. E colocou a hashtag #Freakout.
— Esse não foi o primeiro single lançado pela sub-unit da Beth e Heejin? — disse Anna, e Cindy acenou afirmando, então Anna levantou uma sobrancelha e concluiu — Agora tá explicado. E não me parece mentira.
— Meninas… a Beth não seria capaz de fazer o que aquela maquiadora falou que ela fez. Eu não sei se acredito, não. — Cindy disse relutante, a mão na maçaneta do camarim para ir embora.
— Você acabou de ver… — Anna disse, apontando o local da cena na cadeira de maquiagem — Independente dela ser nossa colega de grupo, ou apenas colega de empresa, como é o seu caso, não temos como negar o jeitinho "meigo" da Beth, não é?
— Só que, comigo ela nunca…
— Com VOCÊ ela pode nunca ter sido, Cin. Mas, pode confiar. A gente que convive com ela diariamente já sabe, quando a cabeça dela dá uma virada, não há ninguém que escape das grosserias da Unique Visual.
Cindy torceu a boca, sem querer acreditar, um ar de preocupado, e nada mais disse porque tudo parecia mesmo se encaixar. Como era de outro grupo da mesma empresa, ela tinha outro camarim, outra sala de treino e outro andar como dormitório. Realmente, só as meninas do Blue Jelly poderiam saber exatamente como a Beth realmente era.