E é a isso que me agarro, quando enfio um par de leggings pelas pernas, uma blusa gigante de Küster pelos ombros, e embolo toda a minha massa de cachos num coque apertado, dentro de um boné escuro. Com a única paleta de sombras que minha mãe deixou no kit de maquiagem sobre a pia, esfrego meu dedo indicador na mais escura, um tom de grafite quase preto, e pinto meu buço, e as laterais do meu rosto, na minha melhor tentativa de desenhar uma barba. Cadu gritaria de horror se visse minha obra de arte, e esse pensamento me faz sorrir.

Sei que pareço ridícula para qualquer pessoa que me olhe por mais de três segundos e Küster confirma isso assim que saio do banheiro, seu cenho franzindo antes de uma faísca de humor brilhar em seus olhos azuis cobalto.

- Nem. Uma. Palavra. – Eu grunho.

- Você parece... – Ele começa mesmo assim, tentando conter o sorriso que quase nasce em sua expressão grave. E assim, se esforçando para não rir, ele me lembra tanto Natália e Gabriel que meu coração se aperta de saudade.

- Um duende com problemas de bebida. – Afirmo, olhando para meu corpo.

E isso faz com que ele coloque a mão sobre a boca, antes de apenas balançar a cabeça em concordância.

- Eu ia dizer um leprechaun que não sabe fazer a barba, mas duende bêbado funciona.

E isso me faz sorrir.

Küster tinha se tornado um amigo.

- Não sei quando você ficou tão soltinho. – Digo, enquanto sento em minha cama para amarrar meus cadarços do tênis de corrida.

- Já estamos à beira da morte, não precisamos morrer num clima fúnebre entre nós.

- Touché. – rebato, já ficando de pé. – Alguma mensagem de Diego?

E isso faz seu rosto perder qualquer traço de divertimento.

Seu negar de cabeça lento é muito mais doloroso do que eu gostaria de admitir.

- Uma semana, Maria. – Ele garante, percebendo meus ombros caídos – Uma semana e isso tudo acaba. Precisamos do máximo de provas incriminaórias possíveis.

- Eu sei. – minha garganta apertada consegue expelir. – É o final desse prazo que me preocupa.

- Não há o que se preocupar. Eles irão invadir. Irei te proteger e você voltará para sua vida, onde quiser.

Mas é uma mentira.

Minha vida possui um metro e noventa e cinco de altura e no momento me odeia.

Jamais teremos novamente o que tinhamos.

Está tudo acabado.

Entre as redes de mentiras e a revelação das verdades de formas excruciantes – Küster havia me falado que minha volta à Bulgária era notícia mundial – eu mal podia imaginar o que estava passando pela cabeça da minha família no Brasil.

E isso faz meus olhos se encherem de lágrimas.

Küster se aproxima com toda sua aura taciturna e me segura pelos ombros, me encarando profundamente. Seu cabelo selvagem preto cor de carvão se embolado na gola de sua camisa bem passada, contrasta com a expressão bem controlada.

- Não.

É o que ele diz simplesmente. E soa como uma ordem para o meu corpo, pois as lágrimas cessam na mesma hora.

- Ainda não é hora de sentir. É hora de fazer justiça.

E eu concordo com a cabeça.

Justiça.

REDENÇÃO - Irmãos Fiori: Livro III - COMPLETOΌπου ζουν οι ιστορίες. Ανακάλυψε τώρα