CAPÍTULO 14

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MARIA CLARA 



O pior dia do ano havia chegado novamente.

Dessa vez, tinha sido como um piscar de olhos. O último ano havia passado feito um furacão, e as memórias que me sufocavam nesse dia haviam suavizado. Apenas para voltar com força total nesse maldito domingo.

Não estou triste. Na verdade, eu adoraria estar completamente miserável, no fundo do poço. Infelizmente, tudo o que sinto é um ódio mortal. Tanta raiva que fazem meus dedos tremerem e meu estômago embrulhar.

Eu tinha uma mãe. Tinha. Está viva, mas não é mais minha já faz muito tempo. Estou sozinha nesse mundo há tanto tempo que quase esqueço de antes. Tanto tempo que tudo parece ser apenas uma miragem, uma vida que não me pertence mais.

Até o domingo.

No domingo, eu me lembro do cheiro doce de mel e bochechas vermelhas de frio. Olhos dourados como os meus e mãos suaves que penteavam meu cabelo com amor.

Eu me lembro.

E odeio tanto cada segundo, cada memória que me bombardeia que não saio da cama. Tranco minha porta da frente, desligo o celular e passo o dia inteiro encarando o teto, acomodada em lençóis macios que ainda pinicam minhas costas. Lençóis macios demais.

Ignoro as batidas em minha porta e a campainha que toca ao longo do dia. Ignoro o resto do mundo inteiro porque não confio em mim mesma para não ser uma vadia amarga com a primeira pessoa que aparecer na minha frente. Não confio em mim mesma para não explodir e machucar alguém.

Então eu fico em minha cama e eu me recuso a dormir.

Deus sabe que os pesadelos são sempre muito piores do que esse quarto vazio que cheira a desespero e a saudade de uma vida que nunca vivi.





Chego no centro de treinamento às cinco da manhã da segunda. Preciso socar alguma coisa ou vou enlouquecer. Não durmo há mais de trinta horas e estou no meu limite. Os sentimentos borbulham e queimam tanto em minha garganta e meu coração que sei que não vou aguantar por muito tempo. Quando ela ainda exista esses eram meus momentos mais proveitosos. Me levavam ao limite emocional, apenas para deixarem que eu me libertasse da forma mais violenta possível. Nunca terminava bem para ninguém, muito menos para mim.

Tenho que respirar fundo um milhão de vezes antes de subir as escadas para a sala de treinamento onde Salvatore me espera porque não estou para brincadeiras e torço com cada fibra do meu corpo que ele perceba isso porque estou na beira de um abismo conhecido demais.

Ele me espera no centro do tatame, parecendo mais sério do que nunca o que é ótimo porque minha vontade de sorrir e ser agradável agora é tão grande quanto um grão de mostarda.

- Você por acaso morreu e esqueceu de avisar a alguém? – Ele pergunta, sem um pingo de humor, e nem mesmo olho em sua direção para responder.

- Estou bem aqui na sua frente caso você não tenha percebido.

Jogo meus tênis para longe e aperto tanto meu rabo de cavalo que sei que sentirei dor de cabeça daqui a poucas horas. Posso sentir os olhos observadores de Salvatore em cada centímetro do meu corpo, analisando cada emoção que eu irradio, exigindo respostas que não posso dar.

- Achei que tivéssemos combinado que você passaria o domingo conosco. – Ele diz, sua voz grave indo para um tom completamente delicado que odeio ainda mais. Não quero que sintam pena de mim. Não quero que cuidem de mim. Não quero nada dessa merda.

REDENÇÃO - Irmãos Fiori: Livro III - COMPLETOWhere stories live. Discover now