FÁCIL?

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Só abro os olhos quando sinto o carro parar em frente a minha casa.

Levanto rápido e bato a porta.

- vão direto pra casa e não façam nada divertido sem mim, ok?

Digo debruçada na janela do Dal.

Falo isso com um tom de brincadeira mas com um fundo de verdade.

- se não tem você então nãograça alguma amore mio!
Nora fala fazendo biquinho pra mim.

-vem da a volta e me da um beijo logo. Quero mijar!

Ela diz se contorcendo no banco.

Dou um beijo nela, encostando nossas testas respirando fundo, sentindo o cheiro de fruta que Nora sempre tem.

-queria que você pudesse mijar aqui...

Sussuro entre uma risada baixa.

-quem sabe quando o demônio obcecado por mim que mora ai, morrer.

Ela fecha os olhos e me devolve outro beijo.

- fica bem lana...
Sussura pra mim.

Somos interrompidas pela buzina do carro.
Dal já estava com pressa, nem repreendo pelo susto que me deu. Com esse sorriso é impossivel falar qualquer coisa com ele.

- com pressa também Dal.

É a única coisa que sai da minha boca.

Ele me olha de canto com uma risadinha sacana.

Pedro nem se quer se mexeu no banco de trás. Ainda quero saber qual o segredo pra tanto sono.

Dou um sorriso pros meus amigos enquanto o carro sai.

Quando me viro, e vejo essa casa...sempre tenho a sensação de ter voltado pra estaca zero.
Aqui é um túmulo ou uma masmorra ambos criados pra mim.
Não me sinto em casa na minha própria casa.
Não deveria ser assim. Mas é assim que é.

Dou um suspiro e passo pelo portão velho. Nunca foi trocado e provavelmente não vai.

Na verdade admiro esse portão. Aguentou muita porrada do Jai, tanto quanto eu e se mantém firme.

Já eu me fragmentei em vários pedaços pra aguentar tudo.

Entro no quintal e passo rápido pra não ter que escutar nenhuma piada sórdida da minha vó paterna.
Jai é um homem horrível mas o útero que o gerou é pior.

Um produto com defeito de fábrica. É assim que eu defino ele.
Por sorte a casa dela segue toda escura assim como quintal inteiro.
A escuridão aqui é um ótimo sinal.

Mal chego na varanda da meia água* e vejo Jai caído perto do banco que costuma sentar.
só consigo suspirar e pensar porque mereço isso... quando eu era mais nova ajudava ele a levantar...hoje em dia acho que ele me oferece menos risco ficando ali deitado entre o próprio mijo e vômito.

Só de sentir o cheiro que vem dele, quente e rançoso sinto vontade de vomitar.
A sensação de bile na garganta sempre surge quando vejo a imagem de Jai na minha frente.

Passo por entre as pernas dele colocando um pé depois do outro no chão, fazendo um esforço máximo pra que ele não me sinta.

Ele continua de barriga pra cima, olhos fechados e zero movimentos. Se isso não fosse rotina iria dizer que estava morto.

Meu Deus eu queria isso.

Consigo passar pelas pernas e coloco o pé esquerdo na frente do braço próximo a cabeça dele. Levanto o pé direito e seguro firme a mochila pesada no meu ombro.

Quase na porta, quase na porta Lana, vai, vamos vamos

É nesse momento que sinto a mão grossa e gelada no meu tornozelo.

*meia água é uma casa com telhado de telhas finas e baixo. Geralmente composta por somente um quarto.

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