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Há um motivo para meus pais, exclusivamente meu pai, não deixarem que eu fique na taverna até tarde, mas nunca dou ouvidos. Geralmente, pouco antes do anoitecer, minha mãe me manda subir, e eu realmente subo, porém, depois de confirmarem que estou em meu quarto, pronta para dormir, pulo a janela e saio.
Não acho que sejam idiotas de pensar que eu durmo à noite toda, ou que acreditem que não sei por que tentam me proteger deles, no plural e sem interesse no todo, somente em um. O loiro é um soldado famoso, conhecido até mesmo pelos mais jovens e posso dizer que faço parte do seu fã-clube, apesar de ser mais discreta que a maioria.
O capuz em minha cabeça esconde meu rosto e uso das sombras para me esconder e observá-lo de longe. Ele é muito bonito, mais do que a maioria dos homens que, longe dos olhares de águia dos meus pais, me olham com fome. Evito pensar sobre isso, apesar de uma partezinha minha querer que ele me olhasse do mesmo jeito. Não sou idiota, sei que ele não é do tipo romântico ou que vai me pedir em casamento e coisa e tal.
É só que ele é interessante, até perigoso. Tenho plena certeza que depositar meu coração nas mãos dele provavelmente seria meu pior erro, e eu adoraria cada segundo da valsa lenta que seria. Ele leva o copo à boca e percebo que me distrai demais com meus pensamentos sobre seus lábios, a ponto de não me dar conta que ele estava me encarando.
Virei para trás, procurando qualquer pessoa, qualquer coisa, que estivesse chamando sua atenção. Daquela distância, ele não poderia me ver... Certo? Errado, ele está levantando e vindo em minha direção. Os vidros que foram limpos recentemente permitiram que assim como eu, ele enxergasse com clareza, e agora está vindo para o lado de fora.
Faço a única coisa que me parece cabível e saio correndo, desviando das pouquíssimas pessoas que encontro pela rua. Corro como se minha vida dependesse daquilo, e tenho receio de que seja isso mesmo. Não sei o que seria pior, ele me acompanhar até em casa ou me humilhar.
Para a minha completa sorte, consegui escapar dele. Diriam as más línguas que ele me deixou escapar, mas acredito no meu potencial em fugas nada planejadas, motivadas unicamente pelo desespero. Não preguei os olhos até o sol nascer, e por um milagre dos deuses, minha mãe deixou que eu ficasse até mais tarde na cama. E então, eu me dei conta do porquê.
Um festival, a oportunidade perfeita para encontrar um marido, um que não fosse tão mais velho que eu (opcional), que me tratasse bem (se der) e que tivesse boas condições. Eu não tinha intenção de me casar, não com alguém que não fosse ele e ele não iria se casar com ninguém.
Apesar de ser a filhinha dos meus pais, e de eles quererem me proteger da maior parte das coisas, eu sabia que eles esperavam que eu me casasse bem, ou que ao menos tivesse uma boa vida. E no entender deles, isto não envolvia saídas noturnas e observar pessoas através da janela.
O vestido era verde-turquesa, um dos mais bonitos que eu tinha visto. Toquei o tecido macio, abrindo um sorriso ao sentir sua textura confortável.
— Você gostou?
— É claro que sim, mãe. Vamos ao festival cedo?
— Somente você vai, filha. Seu pai e eu concordamos que você irá escolher bem.
Sim, a melhor escolha é nenhum destes. Mandem os próximos e os que vem depois deles.
— A senhora tem certeza disso?
— Confio em você, minha menina. — ela me dá um beijo afetuoso na testa. — E o seu pai também.
[•••]
Ninguém me disse que precisaríamos andar pra cima e pra baixo de máscaras, ou que um homem ficaria me encarando fixamente e que seria meu par na dança. Não me atento nos detalhes de ninguém, interessada exclusivamente em balançar meu vestido e ocupar minha cabeça com a música agradável.
O homem se aproxima e beija o dorso da minha mão. Reconheço os fios loiros, mas a máscara que cobre seu rosto me impede de ver seus olhos com tanta clareza.
— Por que fugiu de mim, passarinho?
Abro a boca para dizer que não havia fugido de ninguém, mas a ficha cai antes disso. Em minha consciência, dou um tapa em mim mesma. Como pude ser tão estúpida? Está ali, bem no fundo, o brilho de divertimento.
— Achei que tivesse te assustado. — giramos pelo salão, atraindo olhares de todas as direções. — Sei que já lidou com coisas piores do que uma garota te observando, mas fiquei desesperada.
Ele ri, a risada sonora e entusiasmada fazendo minhas bochechas corarem. Deuses, por favor me ajudem.
— Me deixou curioso. Não é comum as mulheres fugirem de mim, especialmente as bonitas. Precisei até vir neste lugar para encontrar você.
— Sei que sou muito interessante, mas acho que podemos fazer algo melhor do que ficar aqui, sendo o centro das atenções só por dançarmos. — já que ele sabe que sou eu, o que pode dar errado se formos pra um lugar mais tranquilo?
— Estava contando com sua hospitalidade para me tirar daqui.
Saímos de mãos dadas, indo para a taverna. Uma garota conhecida cantava no palco, sorrindo para nós, como se nos convidasse para continuar a dança ali, e é o que fazemos.
— Por que você está aqui? Não tinha um plano mais interessante do que passar esta noite na taverna em que te vejo às vezes? Quase sempre prestes a sair acompanhado.
— Gosto da visão que estou tendo, passarinho. — ele aproxima seu corpo do meu, aumentando a pressão em minha cintura, impossibilitando que eu saia, apesar de sequer ser uma possibilidade que eu esteja considerando. — E nenhuma companhia anterior é tão interessante quanto a de agora.
Não respondo, apenas presto atenção nos passos, para não pisar no seu pé. A música encerrou, e eu levanto a cabeça. Ele tira a máscara, um sorriso travesso em seu rosto.
— Gostei disso, mas quero mais. — ele se inclina em minha direção, e permaneço estática.
A máscara que uso cobre somente meus olhos e eu sei o que ele está prestes a fazer, mas não posso evitar o nervosismo e o receio. Seus lábios tocam os meus, um beijo tão rápido que parece o toque de uma pena.
— Só isso?
Novamente ele ri, antes de aprofundar os lábios aos meus, o gosto doce e o cheiro inebriante dele me fazendo flutuar. Tudo era sobre Aquiles.
