Capítulo III

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Quando Rita adormeceu, e como ainda era cedo, fui até a sala ver como estava o ambiente. Os pais de Rita estavam no sofá a ver um programa qualquer e a conversar. Desci as escadas e sentei-me na poltrona vermelha, mesmo à beira do sofá. Prestei atenção à conversa que estavam a ter.

"Sim, eu tenho a certeza. A Rita disse-me que foi uma Clara e não há nenhuma Clara na turma dela."
"Deve ser só uma amiga imaginária."
"Não sei até que ponto ter amigos imaginários com a idade da Rita é bom."
"O que tem a idade dela?"
"Ela é demasiado crescida para ter amigos imaginários. Li isso numa revista para pais."
"Deves estar a dramatizar. O André também deve ter."
"Ele nunca falou disso."
"Vamos tentar descobrir, mas tem calma. Não há nada de mal com a nossa princesita."
"Espero que tenhas razão."

Deram um beijo na boca e eu desviei o olhar.

Estavam a falar de mim. Estavam a falar da Rita. Devo contar-lhe? Vou esperar. Tenho medo da sua reação.

Sei que ela não gosta que a deixem sozinha por isso decidi voltar para o quarto. Atravessei a porta e Rita estava a olhar para mim.

"O que fazes acordada?" perguntei-lhe.
"Onde estiveste?"
"Fui à sala porque ouvi um barulho. Eram só os teus pais."
"Está bem."
"O que fazes acordada a esta hora?"
"Não consigo dormir."
"Queres que te conte uma história?"
"Sim. A pequena sereia."
"Está bem, vai deitar-te."
Rita adormeceu mesmo no fim da história.

Não voltei a sair da sua beira. Por vezes Rita tem pesadelos e estava com medo que isso acontecesse esta noite.

Por vezes, durante a noite, quando não tenho nada para fazer a não ser tomar conta da bela adormecida que é Rita a dormir, ponho-me a pensar em como existem tão poucos amigos imaginários na nossa cidade. Normalmente os amigos imaginários duram 1 a 3 anos. Eu tenho 3. Isto é, sou como uma menina de 6 anos mas Rita só me imaginou há 3. Isso significa que sou dos amigos imaginários mais velhos que por aí andam.

Já vi muitos amigos imaginários e muito estranhos. Costumava cruzar-me com um na escola da Rita. Chamava-se Puski e era um leão. Desde que o seu amigo real se mudou para a escola do 1ºciclo nunca mais vi Puski. Eu gostava de falar com ele. Era um leão mas falava como as pessoas, falava português. E era bastante engraçado falar com ele uma vez que também não tenho muita gente com quem falar. Gostava de voltar a encontrá-lo. Espero que esteja bem.

Vi, no outro dia, uma amiga imaginária muito tímida. Ainda não tive oportunidade de falar com ela mas fiquei curiosa. Não sei o seu nome, só sei que parece uma fada. Asas pequenas e cor-de-rosa, coroa de diamantes na cabeça, varinha na mão, vestido violeta cintilante. Já a vi atravessar paredes. Já a vi voar. Tenho muita curiosidade em conhecê-la.

Saí do grande cadeirão onde estava sentada. Cobri a Rita. Sentei-me na ponta da sua cama. Fiquei assim até amanhecer.

Até que me esqueçasWhere stories live. Discover now