Eu não tive aquele sonho á toa...
Ainda assombra na minha mente aquela visão.
Eu vestida de princesa...Intacta
O Ramon acabado, dizendo que queria morrer...
A Jô diz que sou uma princesa pra eles
_Alice, vem jantar! - A Jô aparece na porta, me assustando, me tirando do meu devaneio.
_Não estou com fome agora! - Levanto e desço
Vou para meu quarto, me jogo na cama.
O que eu vou fazer com tantos problemas?
O que vou fazer para...
Tomo um susto!
Um telefone toca, e não é o meu!
Me ajeito na cama e com cuidado me esgueiro pro lado, para observar o banheiro
O reflexo do Ramon, cheio de respingos de sangue me encara de lá
Por um momento me pergunto se estou sonhando...O choque de vê-lo cheio de sangue, me emudece e acelera imediatamente meu batimento cardíaco.
Então ele se vira e caminha para o quarto.
Estou tendo uma crise e não sei por quanto tempo vou segurar, disfarçar.
Não tenho forças mais.
Eu não consigo deixar de olhar pra sua aparência macabra, coberta de vermelho na roupa.
Vejo ele deixar uma arma e o som do metal batendo na pia, me assusta.
Ele pede meus exames, assim...Do nada!
Ele parece estar numa espécie de transe, seu olhar esta diferente.
Ele tem noção de como está? Eu estou com medo
Não sei se ele percebe, porquê ele emenda uma outra pergunta, e essa me deixa mais doente.
Ele pergunta se estou grávida, mas já pergunta afirmando.
Eu não respondo.
Ele se aproxima e eu me encolho.
Mesmo com tom de voz baixo, eu nunca o tinha visto daquele jeito...Ele matou alguém...Quem?
Porquê veio direto pra cá, desse jeito e ...Afirmando essas coisas?
Ele fala mais uma vez e eu cubro o rosto, porque não quero ter que encará-lo; não posso respondê-lo e ...A arma está ali atrás!
Eu sei os sentimentos dele por mim, mas sei o quanto ele ...
Me levanto, estou a ponto de ter um ...Desabo.
O espasmo foi tão grande, que ao vir, me jogou ao chão e eu comecei a vomitar, mas não saía nada, além de líquido. Eu tentei segurar.
Ele agachou ao meu lado, e contrastando com tudo aquilo que estava acontecendo, ele começou a me ajudar.
Eu o afasto, estou me sentindo nojenta, peço pra ele ir embora.
Ele não aceita, exige respostas que não darei, não posso dar.
Me levanto, preciso de um banho, estou em crise. Ele continua me ajudando, meu corpo treme e eu entro no banheiro.
Ver a arma de perto me dá mais um choque de tensão. Não por não estar acostumada; mas por saber que ele acabou de usá-la em alguém...Quem?
Ligo o chuveiro e tiro o vestido fino que usava.
Pergunto o que já sabia: Se ele matou alguém
A resposta é positiva, como eu já sabia
Não tive coragem de perguntar quem
Essa pessoa tinha a ver comigo, eu sei...Por isso ele está aqui, agora!
Deixo o jato forte cair sobre minha cabeça, nuca, ombros
Se ele soubesse de todas as coisas que eu sei...Se soubesse...
Ele constata que o fato de estar calada, confirma a resposta que ele veio buscar. Ele não vê as lágrimas que descem pelos meus olhos. Ele não percebe que em meio a tudo, percebo o desespero contido, reprimido , em sua voz... Eu sei que ele me ama, que dói nele e isso me mata ainda mais .
Diz que vai embora, sei que não aguenta mais; eu também não...Não queria que ele fosse, mas era necessário.
Sem conseguir me deter, eu o chamo.
Saio da água, vejo como me olha, sei que me deseja, mas observa minha barriga. Ele está envenenado com a questão da gravidez, alguém levantou isso ou ele próprio?
Digo que não quero uma guerra, e ele entende errado.
Numa tentativa impensada, quase desesperada, pergunto se ele acreditaria em mim.
Ele não responde com a boca, mas seus olhos ...Eu aprendi a lê-los desde o começo.
Ele não acreditaria...
Puxo a toalha, de repente me sinto muito exposta.
Digo a ele que nem deveria ter vindo, falo para que vá embora...Ele entende mal meu tom, acha que estou sendo fria, quando na verdade, estou inteiramente quebrada por estar a frente do homem que amo e vê-lo cada vez mais distante. Ele não sabe o tamanho das coisas que nos afastam, o fato de não acreditar em mim e ter dito que quero defender o "pai do meu filho" já esclareceu isso.
Mal sabe ele que , sim, eu quero defender o pai do meu filho.
Então, como se lesse meus pensamentos, diz
"Eu seria capaz de matar e morrer por você" e pergunta como pude fazer isso com ele.
É a chave do meu coração; vê-lo tão vulnerável, sentir a dor em sua voz, saber que o que ele dizia era verdade e que ele imaginava - Aliás, tinha certeza - Que eu poderia traí-lo, magoá-lo, me fez fazer algo muito irresponsável.. Eu não me contive.
_E se eu te dissesse que esse filho é teu? - Perguntei, congelada ao ouvir minha própria voz dizendo o que não deveria ser dito.
Ele responde o que já sabia que diria...Não havia jeito, não havia! Aquilo acaba com todas as chances de esperança, mas...Que esperança?
Mesmo se ele aceitasse, se ele acreditasse em mim, depois de tudo, ainda teria a minha família...
Se sem filho nos ligando, ele me levou pra longe da minha casa, e quis que levássemos uma vida só os dois; ele é meu e eu sou dele. Imagina se ele acreditasse que tem um filho dele sendo gerado dentro de mim?
Não existiria ninguém que o seguraria.
Mas minha mãe, meu pai...
A guerra estaria lançada!
Ele me vê calada, e diz coisas amargas e finaliza dizendo que deveria acabar comigo.
A idéia não é ruim...Eu , provavelmente, morrerei .
Digo que ele faça
Mas daí ouço algo que me machuca demais
Ele diz que está cansado...Que não quer mais viver!
O meu sonho!
Eu me desespero ao ouvir aquelas palavras.
Começo a chorar, e cenas do inicio vêm á minha cabeça , como um vídeo em velocidade avançada e ao mesmo tempo, lento.
Me desculpo, do fundo da minha alma, por ter sido tão persistente, no que ele sempre quis evitar.
Eu...Eu não sabia que seria tão imenso...
Não sabia que seria tão profundo...
Ele diz que me amou como nunca amou ninguém e eu também nunca amei alguém assim...E nem amarei!
Ele se vira e eu o seguro.
Olho em seus olhos, mas não consigo dizer nada.
Deixo ele ir e agacho no chão do banheiro, chorando sozinha por tudo que a vida me reservou.
