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2 dias após...

Não saí de casa durante esses dois dias. Meu telefone permaneceu carregando na bateria , desde que acabou e não tive coragem de ligá-lo.

Fui alimentada pela Jô com sopas, pois ela mediu minha temperatura e viu que eu estava febril.

Eu me sentia doente de verdade. O meu corpo estava doente, mas não se comparava á minha mente.

Ela veio ao meu quarto , perto de meio dia, dizer que minha mãe havia desembarcado e estava á caminho de casa.

Essa era uma notícia que sempre me deixou feliz, mas não agora.

Mas eu tinha tomado decisões, lutei contra elas, mas enfim, entendi que seria o melhor a fazer. Eu não tinha saída.

Iria usar a meu favor, tudo o que ela tinha feito.
Não era por amor e proteção? Então ela estaria de acordo, afinal, ela também não teria saída.
Eu não daria saída á ela.

Jogaríamos o mesmo jogo.

Com ajuda da Jocélia, tomei um longo banho, vesti a roupa leve que ela separou pra mim, e a dipirona tinha exercido efeito. Eu estava "bem"!

Fui pra casa grande, vi a mesa enorme posta com toalha de linho branca bordada em guipure, um belo arranjo de flores frescas coloridas estava no centro e vários tipo de petiscos , frios, uma garrafa de vinho branco e taças finas ao lado.

A patroa estava chegando.

Como de costume, por ser uma viagem muito longa, minha mãe não recebia ninguém, precisava descansar, sei como é seu estilo.
Mas, com certeza, estaria programada para um almoço farto com amigos próximos para um outro dia.
Eu estragaria os planos dela.

Quarenta minutos de espera, eu já havia andado pelo jardim, onde os rapazes que tratam de suas plantas, cuidavam para tudo parecer perfeito.

A patroa estava chegando.

O portão abre, e aquela morena alta, imponente em vestido floral de seda, óculos escuro e sandálias baixas para suportar o incomodo de vôo longo, entra, segurando uma Louis Vuitton . Quando me vê, abre um imenso sorriso, de dentes perfeitamente alinhados e branquíssimos!

Sobe os degraus, eu desço alguns. Nos abraçamos no meio do caminho.

No final das contas, por 17 anos, ela era o rosto mais amistoso que tive. Significava força, mas também cuidado.
Mas parte disso havia se perdido, após saber até onde ela poderia ir para manter sua mania de controle.

O perfume Yves Saint Laurent tão peculiar, exalava sútil.

_Que saudades, minha menina! Eu morri de saudades da minha companheira de viagens - Ela me olha - De vida! - Me abraça de novo - Que saudades, filha!

Pelo seu ombro, vejo o Nunes trazendo a bagagem, ao que os jardineiros vieram ajudar.
Ela abraça meu ombro e subimos.

_Está abatida, o que houve?

Sei que durante o vôo, ela ficou incomunicável, então não sabia que estive doente.

_Acho que fiquei resfriada, mas a Jô cuidou disso!

Ela aperta meu braço

_Ah, ela sempre cuida! Mas agora estou aqui, vamos ver isso, não quero meu amor doente!

Ouço aquilo e algo se revira dentro de mim. Ela nem imagina...

_Meu Deus! Minhas orquídeas estão lindas! - Ela aponta pras várias flores coloridas, presas nas árvores que circundam a piscina. esses meninos são ótimos!

Assim que entra e vê o grande arranjo de lírios coloridos num arranjo enorme na mesa, ela aplaude, chamando a Jô com a mão

_Vem aqui, minha querida! Como você me conhece bem! Que recepção maravilhosa! - Ela sorri , abraçando a Jô, que se amarra ao vê-la.

A Jô é de uma fidelidade canina. Eu valorizo isso, mas tenho tido um pé atrás com ela...ela sabe de tanta coisa, que me assusta. Eu nunca tinha percebido o quanto isso pode ser perigoso.
Na verdade, nunca foi, afinal, eu não tinha o que esconder antes.

Parece que eu estava em um filme de Matrix e , como Neo, tinha escolhido a pílula da verdade e meus olhos estavam abertos pro que antes, não queria ver...

Minha mãe senta na cabeceira da mesa, deixando a bolsa em outra cadeira.

_Venham, sentem aqui as duas! Estou faminta! - Ela belisca um carpaccio - Ah! Trouxe presentes pra todas, viu? A Austrália é incrível! Incrível!
Vira pra mim
_Alice, você vai amar! Que lugar delicioso é a casa da Sienna! Frente pra uma praia maravilhosa, calma! Tudo muito cuidado, lembra quando fomos pra Noronha? Então, parecia um pedacinho de Noronha, lá! - Ela pega outro carpaccio - Hum - mastiga, limpando os lábios com um guardanapo , também de linho fino - E tantos jovens brasileiros! Maravilhoso!

Eu ouço, ensaiando meu sorriso mentiroso, imaginando como ela reagiria á quantidade de informações que eu tinha pra ela.
Mas...por enquanto, a Flávia deslumbrada, rica, majestosa, teria seu momento!

_Você está bem bronzeada! - A Jô diz, abrindo a garrafa de vinho branco, safra cara, aposto.

_Ah, Jocélia, o sol lá...parece que estamos mais perto, sabe? Mas usei meu protetor potente, exatamente por isso! Olha aqui! - Ela abaixa um pouco o tecido no ombro dourado - Mesmo assim, olha que cor linda!

Se ela gostou tanto de lá, porquê não ficou? - pensei, mas continuava sorrindo.

Ela foi contando, e contando...Detalhes e detalhes...Eu ouvia , mas não absorvia nada.

A presença da minha mãe me causava tantos efeitos, tanta coisa...Um misto de familiaridade...Ela nunca me tratou mal, pelo contrário, me deu um amor enorme, cuidou de mim em tudo, só que ela foi tão além...E hoje eu tenho problemas que ela não poderia resolver, inclusive porque foi a causa de muitos deles.

Mas não sei ser egoísta! eu estava, no fundo, feliz pelo seu sorriso, pela sua alegria em contar sobre uma viagem que ela fez por mim.

Mesmo que o motivo dessa viagem, não fosse apenas me dar uma oportunidade incrível de conhecer um país maravilhoso, nova cultura, nova língua, bom ensino.

Mas também , me separar do cara que eu amo.
E ela leva isso tão a sério a ponto de pagar o Pablo

A ponto de fazer meus amigos de infância dizerem que ela o quer morto.

Enquanto acompanho ela sorrir e beber de sua taça, o som de sua boca some e eu só consigo lembrar de cada detalhe que eu só soube depois que havia sido um teatro arquitetado por ela, para me fazer mudar meus sentimentos.

Será que inclusive naquela visita em que meu pai me levou pra passear no pátio da prisão, onde depositou em mim responsabilidades , dizendo que sua alegria dependia de mim, que eu era sua válvula de esperança...Será que até isso?

E a carta dele?

Levanto da mesa num impulso, e as duas param com o meu movimento.

_É...Vou...Ao banheiro!

Minha mãe me olha de cima a baixo e sorri

_Você está bem?

_Apenas xixi - Sorrio e saio.

Eu tinha certeza de que precisava falar com uma pessoa. 

Mas não agora...

RUIN4S - O Novo Dono IIIKde žijí příběhy. Začni objevovat