we are made from broken parts

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CAP. 1

E Tom percebeu que essa vida vazia não levava a nada. Quando as garotas, os fãs e as bebidas não tinham mais sentido nenhum, aí sim tudo desabou; a adrenalina do palco agora apenas uma lembrança meio distante. Enfim, ele subia, acertava as notas, fazia alguma gracinha para manter as aparências e seguia daí.

Seu irmão havia sido o primeiro a notar, depois a banda toda estava lhe perguntando se ele estava bem.

"Só tô cansado." Um sorriso, um soquinho no ombro e algumas palavras de consolação.

Afinal, não tinha como o garoto explicar esse vazio, mas talvez os outros rapazes entendessem a inveja que ele sentia ao ver um grupo de moleques perdendo tempo andando de skate, rindo, indo para a escola e só sendo meninos normais; mesmo que nenhum dos membros tenham experienciado isso totalmente, Tom ainda se sentia só, até meio culpado por isso lhe afetar tanto.

Enfim, era como a frase que ele havia lido uma vez: "Quando você olha muito tempo para um abismo, o abismo olha para você." Tom percebia agora, ele olhou para o abismo e ele quem escolheu aquela vida para si.

━━━ ⟡ ━━━

No começo da tarde o frio já mordia a pele, mas ele não ligava. Se estava acostumado com essa temperatura do final de fevereiro, ou se só não se importava mais, ele não sabia. De qualquer forma, o rapaz mudou o peso de seu corpo todo para frente, descendo a rampa com o skate que parecia grudado em seus pés. Aliás, ele sentia o objeto reclamar, fazer barulho e ter uma turbulência estranha. Já estava velho e cansado. Irônico.

Sim, ele podia comprar outro, podia mudar suas peças, mas ele tinha uma ligação emocional estranha com aquele pedaço de madeira, assim como com sua guitarra, outro pedaço de madeira.

Foi perdido nesses pensamentos meio vazios que ele percebeu..., era tarde demais, uma das rodas bateu numa pedra - quem foi o desgraçado que deixou ela lá? - o skate parou subitamente e o princípio da inércia foi aplicado. Tom caiu primeiro com o rosto chão e quase deu uma cambalhota.

Antes que ele pudesse falar alguma coisa ou reagir de alguma forma ele ouviu uma risada. Uma risada verdadeira que fez um calor não-familiar subir para suas bochechas. Desde quando tinha alguém na pista com ele?

- Boa, cara! Essa foi de foder! - Era uma voz feminina, logo ela voltou a rir de novo, mas Tom podia ouvi-la se aproximando.

Ele estava se preparando para se levantar, ignorando a dor no nariz, quando uma sombra lhe cobriu. Tom olhou para cima e viu que a garota lhe estendia a mão, mas quem seria ele para aceitar ajuda de alguém que estava rindo de si? Num movimento rápido ele já estava nos dois pés, ignorando levemente a outra ali. Ela abaixou a mão.

- Eu vi você dar o drop... Quase perfeito se não fosse por..., bem...aquilo - Ela deu uma risadinha - 'Cê tem uma coisa aí... - a menina apontou para o próprio nariz.

Tom apenas pegou seu skate do chão e deu meia volta para sair do bowl, ele limpou o nariz com as costas da mão e não se surpreendeu com o rastro carmesim em sua pele. Sangue. Pelo menos nada parecia quebrado. O gosto metálico também revelava um corte no seu lábio, que merda!

A pista era particularmente isolada, bem, não literalmente, mas eram poucas as pessoas que andavam lá. Por isso Tom o escolheu, era um dos poucos onde poderia ficar em paz e relaxar, ficar sozinho em sua cabeça sem dar ouvidos aos próprios pensamentos. Isso até aquela menina aparecer. Um rosto novo que aparentemente não sabia calar a boca.

Falando no Diabo.

Para a felicidade do rapaz, ela só passou direto em direção aos corrimãos e batentes. O silêncio agora sendo preenchido pelos baques constantes e a rolagem das rodas no chão e uma eventual queda. Ele a observava ausente, vendo através dela como se não estivesse lá, mas isso não significava que ele não notou como sua pele escura brilhava num dourado intenso mesmo com o sol fraco de fevereiro.

- Tem que flexionar mais o joelho - Tom falou de repente depois de vê-la caindo de novo, sua sugestão tão inesperada que até a garota ficou confusa, ela, que parecia ser do tipo que sempre tinha uma resposta na ponta da língua. O pegou de surpresa também aliás, digo, o fato de ter soltado aquilo do nada, principalmente por hoje não ser um dia que ele estava particularmente comunicativo.

- Ah! Então você fala! - Ela se levantou com um meio sorriso e limpou a poeira das roupas.

Eles estavam a uns três metros um do outro. Tom casualmente sentado em um batente ainda dentro da pista, e a garota perto de um obstáculo onde estava tentando acertar a manobra.

Ensinar alguém não era o que ele tinha planejado para hoje, mas de qualquer forma o resto do dia seria como todos os outros: apenas um espaço vazio em sua mente, uma lembrança branca perdida no subconsciente de uma mente jovem, mas cansada. Fora isso, ele não tinha porra nenhuma para fazer mesmo.

━━━ ⟡ ━━━

Tom só percebeu o tempo que tinha passado quando o sol já beijava o horizonte, se pondo e pintando o céu com um laranja vibrante. O garoto estava rindo agora, nem se lembrava quando os dois haviam largado os skates para jogar conversa fora, sem falar sobre nada em particular, preenchendo o silêncio que estranhamente se tornou confortável.

- Merda! Eu tenho que sair agora... - a garota disse se levantando de repente e dando uma pisada no final do skate, pegando-o no ar e o guardando debaixo do braço. Ela deu as costas e começou a ir embora, mas logo parou - Ah! Pode me chamar de Eve se acontecer da gente se esbarrar de novo.

E assim Eve foi-se embora, deixando uma sensação estranha de vazio no peito do rapaz. Sensação essa que ele interpretou como sendo a volta súbita à sua realidade, um balde de água fria para lembrar-se onde estava.

- Pode me chamar de Tom... - ele falou para si mesmo, quase um sussurro, visto que a garota já havia desaparecido há um tempo. Um sorriso ainda residia fraco em seus lábios, desaparecendo gradualmente. Hora de voltar para casa.

(In the) Bottom of the SeaWaar verhalen tot leven komen. Ontdek het nu