Capítulo 24

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Dezembro de 2022

Acordo ouvindo um grasnado. Abro os olhos e está um pouco escuro. Reconheço a floresta, pelo jeito não importa o horário ela sempre está nublada, através de grades. Estou envolta por elas. Uma grande gaiola me aprisionando como se eu fosse um simples pássaro. O crocitar que me fez despertar, soa novamente. Sigo o barulho, vendo um corvo sobre uma pequena árvore próxima. Mau presságio? Morte? Azar? Eu já sei, ave. Não preciso do seu sinal.

Logo, outro corvo aparece e mais outro... até ter uma infestação de aves ao meu redor.

Mas que porra? Seus sons intercalados são medonhos e me vejo em pé olhando para todos os lados. Me sobressalto quando uma delas bate em uma grade à minha frente.

Acalme-se, Anne. São apenas pássaros, pássaros que podem atacá-la... e eles podem entrar.

E é o que fazem. Um por um, vão passando por entre as grades. Tento afastá-los, conforme eles sobrevoam de forma rasante sobre mim. Grito, quando começam a me bicar violentamente. Busco pelo poder em meu interior, mas não consigo encontrá-lo e só de tentar, me sinto fraca. Como se estivesse sendo drenada, gota por gota, além dos malditos pássaros me atacando.

Em algum momento, porém, eles param. Quando já estou caída ao chão, vejo-os indo embora, desferindo seus últimos grasnidos ao longe. Dark está parado à porta da minha prisão particular.

— Você está bem enferrujada, filha.

Seu olhar é zombeteiro e eu me permitiria ficar zangada, se não estivesse exausta e sangrando.

— Por que meu poder não funcionou?

— É incrível o que essas belas coisinhas podem fazer — ele passa os dedos pelas grades de ferro.

— Quer dizer que esta jaula está contendo a minha magia?

— É isto o que estou dizendo e não só a contendo, como drenando-a. Ou seja, você nunca conseguirá sair daqui.

— Seu desgraçado!

— Olhe como você fala com seu pai, além disso, eu posso estar te protegendo dos amaldiçoados.

— E o que? Você espera um agradecimento da minha parte?

— Não, claro que não. Mas você deve saber o que eles vão fazer se a encontrarem.

— Sim, mas talvez eu prefira isso do que permanecer presa aqui com você.

— Oh, querida — Dark coloca uma mão sobre o peito, fingindo amargor — assim você magoa o seu velho.

Me levantando, lentamente, aproximo-me dele. Passo a mão por entre as grades para tocá-lo. Ele me observa, desconfiado, mas não se afasta, conforme toco minha palma no lugar onde deveria ficar seu coração. Adversamente, encontro-o batendo, em um tum-tum lento, quase inaudível.

— Veja só, ele tem um, — digo, trazendo minha mão de volta para mim — mas prefiro imaginar que ele seja envolto por uma pedra de gelo.

— E ele é, assim como o seu. O sangue que corre em suas veias é o mesmo que o meu, não se esqueça disso.

— Eu preferiria esquecer esse maldito detalhe... — algo me vem à mente — o sangue que corre em minhas veias, parte seu e... quem é a minha mãe de verdade? Emma eu sei que não é, foi ela quem me sequestrou ainda bebê...

— Sim, foi ela. Receio que você ainda não tenha sido apresentada a sua verdadeira mãe...

— Qual o nome e o que ela é? — Pergunto, entredentes.

— Já lhe disseram que você faz perguntas demais? — Ele revira os olhos, mas se compromete em responder — A ninfa Erna.

— Por que você gerou uma filha com uma ninfa? Não ouso, de uma maneira totalmente compreensível, pensar que foi por amor.

— Bem, elas são conhecidas por sua beleza divina... — Nightmare dá de ombros, sorrindo.

— Você é um idiota. Onde ela está agora? O que fez com ela?

— Ela era uma náiade, vivia pelos rios, mas ela faleceu assim que sua ligação com aquele lago acabou. — Ele aponta para a água quase não vista, pela invasão dos aguapés e lodo — O equivalente ao seu nascimento.

— O que? Bem quando eu nasci a sua habitação pereceu?

— Foi o que eu disse — seus lábios se curvam — você carrega as trevas em seu interior, levando morte aonde quer que vá. Você é mesmo a minha filha.

— Não sou nada como você.

— Você verá que é sim, amanhã mesmo.

— Por que amanhã? — Pergunto, confusa.

— Ora essa, está esquecendo do seu próprio aniversário?

— Mas ainda faltavam cinco dias... eu dormi esse tempo todo?

Ele acena.

— Se prepare, querida. Pois teremos convidados.

Pisco. Se ele me trouxe aqui é porque os amaldiçoados não poderiam vir, não é?

— Quem virá?

— Seja paciente, você logo verá.

Sem mais qualquer palavra, ele se afasta. Voltando para a sua cabana.

Encosto meus braços na grade. O que vai acontecer comigo? Sempre ansiava pelo meu aniversário de dezoito anos e agora um sonho estava prestes a se tornar meu pior pesadelo.

Coração PirataWhere stories live. Discover now