Capítulo 14

59 6 0
                                    

Outono de 2014

— Para onde está me levando? — Pergunto, quando minha mãe me empurra, quase me fazendo cair.

Ela não me responde, mas aumenta sua pressão sobre meu pulso. Penso em como ele ficará roxo depois, enquanto paramos na praia.

— Suzzy, segure-a.

Minha governanta faz o que Emma ordena, mas seu aperto é leve. Ela não parece nada contente com o jeito que minha mãe está me tratando, mas eu sei que não há nada que ela possa fazer, a não ser obedecer. Suzzy me olha como se dissesse: sinto muito e eu respondo silenciosamente: tudo bem, eu entendo.

Minha mãe pega uma concha grande. Ela é azul metálica, diferente das conchas que eu costumo brincar, e formada em espiral convoluta. Seus lábios se fecham em volta do buraquinho do búzio. Ela inspira pelo nariz, segurando por alguns segundos, antes de soprar o ar com força pela boca. Observo-a repetir o processo três vezes e, então, concentrar sua atenção no mar, esperando. Confusão adorna meu rosto, eu não consigo entender o que ela está fazendo. O que ela quer com isso?

Tento procurar uma resposta em Suzzy, mas ela parece ainda mais confusa do que eu.

Impaciente, modo a língua. Não quero dizer nada que possa fazer minha mãe ficar ainda mais brava do que ela já está.

Uma movimentação na água, chama a minha atenção. Estreito os olhos, tentando ver o que está se aproximando. Parece um animal grande. Consigo ver sua cauda verde-água, cheia de escamas e me aproximo ainda mais de Suzzy.

Contenho um grito quando o ser aparece e o que vejo não é um animal e sim uma sereia. Achei que elas já haviam sido extintas...

— Não acredite em tudo que lhe contam, querida.

Me sobressalto, eu disse aquilo em voz alta?

Vejo seus lábios se curvarem em um sorriso. Um pouco apreensiva, observo-a. Seus cabelos são compridos e formam ondas pelas mechas azuis. Sua pele oliva, é lisa, sem qualquer defeito. Se sua cauda já não fizesse isso, seu olhar entregaria sua espécie. É tão marcante e profundo que sinto como se ela pudesse ver o interior da minha alma se quisesse. Seus olhos alongados e escuros, estão maquiados e lhe dão um ar de mistério, com a sombra marrom esfumada rente a suas linhas d'água e um traço preto nos cílios inferiores. Siren eyes.

Ela tem um tipo de beleza que não é possível ver em pessoas comuns.

— Emma, a que devo o prazer de seu chamado? — Seu tom de voz indica prepotência.

Em um movimento rápido, ao qual eu não consigo acompanhar, ela fica de pé na água, sua cauda sendo substituída por pernas compridas. Um pequeno top e curta saia verdes são as únicas coisas que a cobrem.

— Até parece que você já não saiba, Nevaeh.

— Não seja indiscreta... — a sereia, Nevaeh, faz beicinho e se vira para mim — essa é a garota?

Seu olhar me circula de cima a baixo e eu me escondo atrás de Suzzy.

— Já vasculhou minha mente o suficiente para entender o recado? — Mamãe fala.

— Até mais do que isso — o sorriso de Nevaeh é curioso, quase ferino.

Ela se aproxima de mim e eu retrocedo.

— Não tenha medo, criança.

Suas unhas pintadas e compridas aparecem quando ela passa seus dedos, levemente, pelo meu rosto. Penso em me afastar de seu toque, mas, de repente, sinto-me calma. Todo o desespero, ansiedade e medo esvaindo de meu corpo.

— Longe de mim duvidar de suas intenções, até porque eu não dou a mínima, mas você quer mesmo que eu faça isso? Não terá volta...

— Apenas faça e rápido — olho para minha mãe, procurando alguma explicação, mas ela não está olhando para mim.

— Mãe... — tento.

— Sossegue, Anne. Você se sentirá bem melhor quando Nevaeh acabar.

— Acabar com o...

Mas não tenho tempo de terminar a pergunta quando a sereia segura os dois lados da minha cabeça. Sinto cada memória minha sendo exposta e grito com a ardência que sucede seu ato. Em algum momento, meus olhos se fecham e só consigo pensar em Ben.

— Quem é Benjamin Drake? — A sereia sussurra na minha mente.

— Meu melhor amigo — sussurro de volta.

A dor se intensifica ainda mais, só que agora, eu não consigo gritar.

— Quem é Benjamin Drake? — Ela volta a perguntar, dessa vez mais forte.

— Meu maior inimigo.

Abro os olhos, passando as mãos pelo rosto. Pisco, tentando apurar minha visão. Estou no meu quarto. Eu devo ter dormido muito tempo...

Me levanto e algo pesa no meu bolso. Levo minha mão até lá, encontrando um relógio de bolso. O observo confusa. Eu... forço minha mente, mas não consigo me lembrar dele, muito menos de como o consegui. Na verdade, existe um certo vazio na minha mente. O que houve comigo?

Minhas pálpebras se sobrecarregam e eu me vejo tendo pesadelos com uma sereia de cabelos azuis.

Coração PirataOnde histórias criam vida. Descubra agora