Capítulo 22

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      Entro no banheiro. Abro a torneira e, fechando as mãos em concha, as coloco debaixo da água corrente, molhando o rosto.

      Eu não consigo entender o que está acontecendo comigo. Essas lembranças...

      Eu sei, no fundo da minha alma, que elas são reais e que eu devo ter sofrido um trauma muito grande para esquecê-las, mas eu não posso. Estou, sordidamente, com medo. O que me resta, por ora, é ignorar cada pequeno feixe de luz e continuar no escuro, porque é a parte de mim ao qual estou acostumada, a enorme bolha onde eu me enfiei e não posso me dar ao prazer de sair. O outro mundo pode se mostrar decepcionante. Estou em pedaços e cada pequena parte de mim foi jogada para debaixo do tapete. Se eu não posso reconstruir eu mesma, quem dirá outra pessoa?

      Ben não me sujeitou a explicar o motivo do meu pânico, ele apenas perguntou se eu estava bem e eu acenei, dizendo que só precisava refrescar as ideias. Quando ele me pegou olhando as tatuagens, pude jurar que vi um brilho de esperança em seus olhos, ainda maior assim que ele disse as malditas palavras que furaram minha alma como facas afiadas.

      Outro motivo para me manter recuada.

      Puxo uma respiração pesada antes de sair da suíte. Soltando-a apenas quando eu não o vejo na cama. Ben não está em lugar algum. Onde ele está?

       Voltando-me a deitar na cama, tento fingir que não me importo. Ignorando o marcador do relógio na cabeceira, que marca meia-noite, torno a dar play no controle.

      Passo cerca de quarenta minutos olhando para a tela sem entender nada do que está acontecendo nela, minha cabeça está em outro lugar. Por que ele ainda não voltou? Ele deve ter optado por arrumar outro quarto, para não ter que dormir no mesmo lugar que eu. Mas a essas horas?

      Desligando a televisão, decido ir lá fora. As luzes do corredor se acendem com a minha presença e eu o dobro continuando a linha de corredores até chegar na porta principal. Está o mais perfeito silêncio. Não vi nenhuma luz acesa, todos devem estar dormindo. Onde Charlotte foi parar também?

      Mesmo sendo verão, a brisa que passa por mim, quando atravesso à saída, é congelante e arrepia a minha pele. Me arrependo por não ter pegado um casaco. Esfregando os braços, observo a minha volta. As lâmpadas dos postes estão acesas e me dão uma boa visão do lado exterior. O vilarejo parece fantasma, nenhuma alma-viva à vista. Me xingo mentalmente. Por que eu vim até aqui, afinal? Pelo Benjamin? Argh. Até onde sei, ele pode estar em uma cama bem confortável do lado de dentro agora e eu aqui, que nem uma idiota, passando frio.

      Suspirando, dou meia-volta, indo em direção ao hotel novamente. Estou prestes a abrir a porta para entrar, quando ouço um barulho.

      Aguço os ouvidos. Parecem suspiros abafados e ruídos, como se alguém estivesse batendo contra algo. A minha curiosidade fala mais alto do que o bom senso e eu me vejo acompanhando o som.

      Dou a volta na construção, em um local mais escuro. As lâmpadas devem ter queimado, a única luz possível, é a da lua.

      O ruído fica cada vez mais alto e eu paro quando vejo duas figuras. Me escondo atrás de um recipiente grande de lixo, para poder ver quem são. Eu tenho duas pessoas sumidas, só quero ver se são eles, mas sem interromper. Estreito os olhos, tentando ver melhor. Consigo perceber que estão se agarrando, claramente. Eu sei o quanto isso soa estranho para mim, mas eu não devo estar pensando direito.

      Consigo identificar o uniforme da garota e imagino que se trate de Isabelle. Meu Deus. Seria Jack de novo?

      Mas não. O cara é mais alto. Saio do esconderijo, eles estão muito distraídos para prestar atenção em qualquer outra coisa, chegando mais perto. Tendo um vislumbre melhor, percebo que não se pode tratar de outra pessoa. Reconhecê-lo-ia em qualquer lugar.

Coração PirataOnde histórias criam vida. Descubra agora