𝐈𝐈𝐈. Melinda

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Os raios de sol amarelados e foscos penetravam as brechas de uma pequena janela de madeira lascada pelo tempo, na Toscana. A cortina branca batia nos móveis antigos, anunciando o cheiro da chuva chegando a solitária casa de veraneio. Dentro dela, um tímido, porém bonito casal conversava sobre o pequeno embrulho atento aos dedinhos vermelhos.

— Você não a acha perfeita? - A mulher perguntou ao acariciar as bochechas rechonchudas da bebê.

Ele, por sua vez, tentando manter-se impassível as ações das duas, sorriu sem realmente fazê-lo e aproximou-se do berço de cor salmão.

— Ela é sim. - O ar frio pegou seu pulmão e fisgou em seguida o coração. O jovem encarou os olhos castanhos e sonhou com um futuro impossível.

Ao mesmo tempo, a mulher na sua frente encontrava na mente as respostas e possibilidades para os problemas que ele mostrasse. Ela o amava tanto, e agora tinham uma ligação ainda maior dada através daquela garotinha.

— Não quer pegá-la? - Resolveu tentar a sorte e perguntou ao homem.

— Eu acho melhor não, MELINDA.

Ele se desviava dos olhos carentes dela a todo custo. Não podia dizer o quanto também queria sentir-se em casa, usufruindo do que seria uma reunião em família numa chuvosa tarde de verão na Itália. Conhecia a reação que viria, decepção óbvia surgindo na calma e benevolente Melinda.

A jovem engoliu a seco, sentindo o nó na garganta reformular sua pergunta mentalmente. Culpou-se por ser tão tola e pensar que ele arriscaria mesmo a vida que levava por um resquício de animosidade, de vida.

Melinda se levantou do chão ao lado da criança e puxou para baixo a camisola branca vestida. Escapava como neve em dias frios, tão gélida, tão pálida, mas tão bela. Todos a viam assim, a inglesinha grávida e adorável que vivia sozinha nos montes de um vilarejo escondido. Ninguém sabia exatamente quem era, nem as senhoras das fazendas vizinhas que diariamente a visitavam e faziam companhia. Melinda era um pequeno e adorável mistério para os habitantes da região.

— Me diga Harry. - Pediu, quase implorando a atenção dele. — Se não veio ver a sua filha, então o que está fazendo aqui?

A repentina mudança de tom em sua voz não deixou de assusta-lo. Harry ajeitou o colarinho e a observou, notando agora a expressão cansada de Melinda. Ela havia dado a luz há poucas semanas, era óbvia a mudança que uma criança recém nascida trouxera a sua vida. Melinda sempre fora esbelta, mas nunca chegara a ter o corpo definido igual a outras mulheres.

— Será que não basta tudo o que sofri? Não basta ter feito mudar-me de cidade, de país? Tudo isso para que eu ficasse protegida do que, exatamente? - Melinda parou na frente do homem, o encarando seria. — Estou cansada dessa vida, Harry. Estou cansada de você aparecer do nada e não fazer droga nenhuma. De você ficar aí parado e analisando tudo como se pudesse mudar cada detalhe das nossas vidas, quando você claramente não pode.

A mulher gesticulava descontroladamente, desovando aqueles ossos em decomposição que eram os seus sentimentos há tanto tempo enterrados. Melinda era boa em expressar a fúria guardada contra Harry, a verdade era que aquilo a adoecia e ele não tomava muitas atitudes para acalmá-la.

— De novo. - Melinda pareceu desistir da discussão mal começada. — Não é justo. - Suspirou, negando com a cabeça e deixando os olhos se fecharem enquanto espremiam uma lágrima solitária pelo rosto. — Sempre fui só eu nessa relação? Sempre foi isso e eu nunca percebi? Somente eu brigando com uma parede branca de pedras?

Harry, que antes estava calado, ficou mudo... Era exatamente assim todas as vezes durante os dois anos juntos. Quando estava ocupado demais treinando, em missões que não podia detalhar, quando estava tentando não morrer, ou simplesmente voltava de uma das alfaiatarias e ficava demasiado cansado para trocar meia dúzia de palavras com a mulher que dizia amar. Culpava-se todos os dias, ouvindo ela reclamar por não ter atenção, por ele só não ser mais aquele mesmo Harry que tinha se apaixonado quando eles tinham vinte anos.

COLORES.                                                        [Agente Whiskey]Where stories live. Discover now