I saw her through the window today

Começar do início
                                    

Sempre apreciara o silêncio das horas mais avançadas em Hogwarts, quando todos os alunos se encontravam em suas salas comunais e restava apenas o vácuo de ruído no grande e milenar castelo de pedra, que, geralmente, apenas suportava.

No entanto, naquele ano o silêncio lhe gritava coisas demais. Solidão, inevitabilidade, realidade, tortura, coisas que jamais poderia compartilhar com ninguém. Havia dias que sua cabeça doía como o inferno, não somente pela quase constante presença aterradora de Voldemort, mas como pela enxaqueca, que vez em quando o deixava três dias de cama.

Suas visitas àquele lugar se tornaram mais frequentes, mas nada nunca fora tão grave quanto o Sectumsempra do maldito Potter. Nunca imaginara que o idiota sacaria um feitiço tão violento, mas assim que vira o resultado parecia não saber o que fazer - como sempre.

Não se lembrava de tudo, sua mente fora imediatamente nublada pela dor dos ferimentos infinitos que aquela magia infligira. Ainda não podia se mexer e a enfermeira não tinha previsão de quando seria liberado, por isso apenas esperou, se utilizando do tempo para tentar pensar na merda que o rodeava.

Um ruído muito baixo, contudo, quebrou a monotonia da eterna calmaria, como uma fechadura se abrindo. A porta principal não tinha chaves, é óbvio, assim apenas esperou os passos muito sorrateiros se aproximando enquanto fechava os dedos ao redor da própria varinha, sem conseguir distinguir se a hesitação era dele ou de quem o rodeava.

Então, a cortina foi delicadamente puxada e a figura esguia de Hermione Granger se colocou em seu campo de visão. A hesitação era dela, constatou quando a garota notou que a encarava diretamente em meio a semiescuridão da enfermaria. O tempo pareceu longo quando ambos não disseram nada – especialmente por que não sabia o que ela fazia ali –, mas a observou se aproximar lentamente, olhando-o de cima, provavelmente à procura de ferimentos, a mandíbula tensionada e os braços cruzados na frente do corpo, logo abaixo do reluzente broche da monitoria.

- Sabe... Harry tinha certeza de que havia se tornado um Comensal da Morte. Por todo o ano, eu disse a ele que Voldemort não estava interessado em recrutar adolescentes. – Draco pressionou a varinha ainda mais, embora o tom dela fosse completamente linear. Desdenhosamente linear e, embora não a conhecesse de verdade, nunca a vira sê-lo. – É triste. Acho que apenas não queria acreditar que fosse, realmente, essa pessoa.

- A expectativa era toda sua.

Murmurou, não conseguindo evitar se sentir um pouco menor pelo desprezo nos olhos castanhos. Não se tratava mais do simples e cotidiano olhar hostil, mas algo mais profundo e sério, como a vida de todos havia se tornado. Afinal, era sobre o sangue dela e sobre a crença dele. Por todo o último ano, se perguntava onde aquilo o levaria, mas Granger pareceu responder quando olhou diretamente para seu braço, consciente de que a Marca estava ali, sob a manga de seu pijama.

- Você vai me matar, Malfoy? – Ela não tinha medo, sabia. Desde que a conhecia, tentava fazer com o que o temesse e tudo o que conseguia era o desafio em retorno; por isso, fora confrontá-lo a sós, longe dos olhos temerosos de seus amiguinhos idiotas. – Vai me machucar quando estivermos em lados opostos num campo de batalha?

- Saia daqui, Granger.

Ainda a viu estreitar os olhos por um instante, antes de, pela primeira vez, não elaborar uma resposta. Não tinha ideia se havia conseguido o que queria, mas o obrigara a encarar a realidade dúbia de sua crença, realmente fazendo-o ecoar a pergunta que o perseguiria por muito tempo: teria coragem de matá-la ou simplesmente machucá-la, caso se encontrassem um confronto?

ATO III

Quando os dedos se fecharam na maçaneta da porta de entrada, sentia como se tremesse internamente. A campainha soou alta no ambiente mais quente do pub, fazendo com que o atendente, um jovem loiro cheio de espinhas, levantasse os olhos da revista de quadribol que lia desinteressadamente praticamente deitado sobre o balcão e o amaldiçoasse sem uma palavra.

O ignorou totalmente e seguiu até o canto mais longe da porta, onde ela se sentava. De costas, não se distraíra pela entrada de outro cliente e se perguntava até se ouvira qualquer movimento ao redor. Os cabelos caíam pelas costas em uma massa castanha e brilhante, repleta de um volume macio e conhecido. Se perguntou se tinham o mesmo perfume, mas impediu a linha de pensamento no mesmo instante.

Sequer sabia o que fazia ali, começar a conjecturar coisas desse tipo não seria nada saudável. Sempre que sua mente o traía, se obrigava a pensar em outra coisa, ocupar a mente e esquecê-la. A mulher fazia parte de seus pesadelos e sonhos, não podia deixá-la ocupar mais espaço dentro dele do que aquele que tomava involuntariamente. Apesar disso, lá estava ele, a míseros passos da mulher que o assombrara por anos.

Havia diminuído a velocidade, só para ter certeza de que soubesse o que dizer quando chegasse até ela. Enquanto isso, ela rodeou a generosa caneca com os dedos compridos e relaxados, o indicador percorrendo um caminho invisível na porcelana branca. Próximo o suficiente para notar as unhas bem feitas, se misturando à cor da pele dela.

Só então, tendo-a novamente tão perto, pode – voltar a – constatar, depois de muito evitar adentrar nesse interminável campo de recordações e arrependimentos, o quanto cada um desses detalhes era conhecido: ela cruzava os tornozelos sob a cadeira sempre que podia, alisava as páginas dos livros de maneira inconsciente, jogava os cabelos para o lado para não atrapalharem a visão, dentre outras manias que aprendeu a observando com o passar dos anos.

Decidindo que o meio-termo entre a eterna covardia e o pequeno lapso de coragem, que o levara a entrar ali primeiramente, não deveria continuar, deu a volta na mesa e, sem qualquer palavra ou permissão, se sentou no banco acolchoado de um marrom envelhecido logo à frente dela, capaz de observar todas as expressões que perpassaram o rosto limpo de maquiagem desde o ultraje inicial por ser interrompida até a completa surpresa ao identificá-lo e, por fim, a mansidão cautelosa.

Hermione Granger se ajeitou contra a cadeira, inconfortável com a repentina presença e a súbita mudança de clima ao redor de si mesma. Como esperava, ela ainda teve o cuidado de marcar a página e calmamente fechar o grosso exemplar que lia, antes de olhá-lo novamente. O silêncio, como de costume, fazendo morada entre eles e tudo o que queriam dizer. Surpreendendo-o, contudo, ela sorriu como se pensasse na própria piada interna.

- Onde esteve, Draco? Já faz um tempo. 

She Used to Love Me a LotOnde histórias criam vida. Descubra agora