Furação e calmaria.

29 1 4
                                    


Quando pensamos na solidão, pensamos em um vazio qualquer, apenas um vazio. Porém, quando eu penso na solidão, eu penso em mim. A minha imagem vem à mente. O que eu gosto em mim?

Primeira coisa: Minha companhia.

Segunda coisa: Minha solidão.

Terceira coisa: meus olhos.

Quarta coisa. Meus cabelos.

Quinta e ultima coisa: Minha firmeza.



Foram essas as qualidades que achei em mim durante os dias em que passei mais comigo mesma. Supus que nunca iria achar essas pequenas coisas que gosto em mim, e eu as achei.

Os remédios estão me ajudando um pouco, não encaro isso como algo positivo ainda, só os suporto. A Sara diz que, se eu tomar certo, em breve posso tirá-los da minha vida. Eu não me lembro quando passei com o psiquiatra, eu exatamente não consigo lembrar... Só lembro da Sara observar meu relatório e afirmar que sim, eu iria utilizar os remédios. Ultimamente não consigo me lembrar de algumas coisas que tenho feito, eu apenas faço. Vivo inteiramente no automático.



— Me desculpa, meu amor, eu esqueci de trocar a sua água. — Falei com a Anie. A Água dela estava suja, e eu atrasada para sair.

Após trocar a água dela, ajeitei sua gaiola, peguei a minha bolsa e fui a um restaurante que ficava na mesma avenida do Beer Bar, chamado House Club.



— Boa noite, senhorita. Reserva? — Um rapaz loiro e alto, com uma calça e uma camiseta polo escrita "House club", me questionou logo na entrada.



— Hm... Não, eu não sabia que tinha que fazer reserva ou agendar.



Ele puxou um pedaço de papel em baixo da bancada e anotou algo. A frente do lugar tinha espelhos e mais espelhos, e uma porta atrás do homem que me recepcionava.



— Você pode agendar neste telefone aqui. — Ele me entregou o pedaço de papel com detalhes em vermelho.



Balancei a cabeça afirmando e fui embora um pouco chateada. Mas, ao lado, havia um bar, desta vez um bar um pouco mais simples. Mesas redondas ao lado de fora e cadeiras de plástico enfeitavam o lugar. Dois homens estavam lá dentro e uma mulher de salto alto e ruiva gritava com um dos rapazes lá dentro.

Entrei no estabelecimento, então logo um dos rapazes me atendeu.



— Boa noite. E aí, o que me diz? — Ele falou. O rapaz era alto e jovem, a aparência dizia que ele tinha seus 22 anos. Percebi que o lugar era cheio de garrafas cheias, vazias e pela metade enfeitadas atrás do balcão em L, e o que chamava atenção era um freezer enorme próximos dos atendentes.



— Moça? — Ele me tirou dos meus pensamentos.



— Eu quero uma cerveja, por favor. Qualquer uma. — Pedi por fim.



Ele se virou e após pegar uma cerveja dentro do freezer, despejou no copo e o colocou em cima do balcão.

Virei o copo em um só gole.



— Calma aí, moça. — Disse o atendente que estava ao lado do mais novo.



Tomei alguns goles, e a moça de salto ainda reclamava ao meu lado.



Comecei a me sentir um pouco mais valente, e talvez eu tenha tomado alguns goles a mais do quê queria de inicio. Mas o que eu queria?



Tudo ficou completamente embaçado após um tempo. Minha visão estava turva e, ao mesmo tempo, duplicada, não sei explicar. Algumas sombras se passaram de um lado para o outro e vozes ecoavam sobre meus ouvidos. Meu coração estava acelerado demais, e então eu esfreguei meus olhos e consegui enxergar melhor.

A moça que antes gritava com os rapazes no bar agora estava na minha frente com algo que parecia um pano sobre meu rosto. Ela era uma mulher bonita, mas a preocupação em seu rosto me desesperava.

Eu sentia um desespero enorme, o coração batia rápido demais e dava a entender que eu iria desmaiar, ao mesmo tempo que, uma tristeza afundava o meu coração.



— Tá tudo bem, você vai ficar bem, a ambulância já está a caminho — A mulher tentava me acalmar.



Finalmente consegui enxergar, e vi em minha frente: A mulher que gritou no bar e os dois atendentes desesperados.



— Eles irão chegar em alguns minutos. — O mais jovem falou.



— O que tá acontecendo comigo? Eu vou morrer? Por favor... — Sussurrei. Desabei em choro depois que falei as últimas palavras.



— Precisamos saber o seu nome! — O atendente mais velho afirmou desesperado.



— Helena — Consegui dizer a tempo.



Não me lembro muito bem de tudo. Consegui lembrar de outros flashes's em minha mente, talvez eu estava bêbada demais para lembrar. Só me lembro do sentimento, era um sentimento muito ruim, desespero, angustia, aflição e mais desespero.

Acordei em uma cama de hospital.



— Bom dia, flor do dia. Tudo bem? — Uma mulher jovem, que eu presumi ser a enfermeira falou comigo enquanto se inclinava e colocava uma bandeja com algumas frutas e sucos ao meu lado.



— Oi — Respondi seco — Por que eu estou aqui?



— Você bebeu muito ontem e pelo que me disse, você utiliza remédios psiquiátricos. Sabia que não deve misturar remédios com bebida?



— Não devo?



— Não, pode acontecer episódios feitos os de ontem. Mas você vai ficar bem. — Ela sorriu.



Tive uma conversa boa com ela e, após algumas explicações, ela disse que eu deveria retornar à psicóloga e passar pelo psiquiatra.

Voltei para casa com dor de cabeça e um atestado.



Está tudo bem não se sentir bem, e está tudo bem se sentir bem o tempo inteiro. Mas eu não era assim.

Em meu segundo dia de atestado, eu já estava ficando muito para baixo e pensando em comprar outro aparelho celular, aquela paz longe da minha mãe estava durando muito tempo. Ela bateu em minha porta para saber como eu estava, mesmo assim fingiu se importar comigo por um milésimo de segundos e foi embora depois do "show" que fez em relação a minha falta de comunicação.

Decidi que iria ao Beer Bar naquela noite para sair da mesmice e, desta vez, não iria tomar álcool. Aprendemos sempre com os nossos erros, precisamos cair uma vez e perceber que quando levantarmos novamente tudo vai estar diferente. Eu aprendi que, quando se toma remédios depressivos nós não podemos encostar em álcool, isso me fez ter uma crise enorme de ansiedade.

Coloquei mais água para Anie antes de sair, dei um pouco mais de carinho a ela e sai de casa naquela noite um pouco fria. Estava de suéter, calça e uma bota; desta vez eu atentei aos detalhes em minha roupa e queria adicionar o que eu estava sentindo em minha vestimenta.

O bar estava um pouco mais vazio do que de costume e eu me sentei no mesmo lugar que da primeira vez.



— Boa noite, senhorita. — O garçom veio até a mim e em entregou o cardápio. Não, não era o mesmo garçom.



— Boa noite. — Respondi e estendi a minha mão para apanhar o cardápio — Eu posso dar uma olhada por enquanto? Assim que eu escolher, te chamo. — Conclui. Ele acenou e avisou que estaria logo ali.



Puxei a minha bolsa e a coloquei pendurada na cadeira. Aquele simples gesto me fez lembrar do antigo desconhecido, Thiago.

Abri o cardápio e comecei a observar as poções, quando uma voz me tirou de concentração.



— Fez certo desta vez, ehim?



Levantei o rosto e dei de cara com Thiago. Ele estava sorridente e vestia uma calça de moletom e uma camisa com mangas, cabelo jogado para trás. Seus dentes eram brancos demais para ser verdade. Me perguntei como ele teve a ideia de vir até aquele lugar com aquela calça.



— Acho que sim. — Me atentei a alguns detalhes em seu rosto.



— Bom... Você está bem?



— Sim, estou. Você está bem? — Abaixei o rosto para o cardápio e o fechei.



— Estou ótimo, como pode ver.



Não sabia o que falar. Apenas o observei e novamente abaixei o olhar para outro ponto da mesa.



— Se quiser sentar aqui comigo. — As palavras saíram da minha boca completamente viva.



Voltei a tentar entrar em contato com o olhar de Thiago.



— Claro — Ele puxou a cadeira na minha frente e sentou-se em seguida.



— Já percebeu que os garçons daqui tem cara de pastel? — Disse sorridente a mim.



Soltei uma gargalhada e observei as luzes atrás dele. O ambiente estava calmo e seguro para aquela noite.



— Cara de pastel? Como assim?



— Eles te olham como se estivessem prendendo o pum. — Ele disse arregalando os olhos.



Comecei a rir e o Thiago riu comigo em seguida. Ele tinha um riso elegante e lindo em simultâneo, parecia um anjo até em sua forma de falar.



— Eu nunca ouvi essa. — Respondi parando de rir.



— Você é piadista, sr. Thiago?


—Piadista? 


— Sim, você é muito engraçado, sempre de bom humor.


— Temos que estar assim sempre, não é?! Vai que a vida nos derruba a qualquer momento e eu não quero estar de mal humor. 



— Você tem um ponto.  — Sorri pensando na resposta. 



— Helena — Meu nome saiu suave de sua boca — Você riu da minha piada, e eu estou pensando: será que não sou eu que devo estar te incomodando?



— Não, claro que não! — Balancei a cabeça negando.



— Desculpa incomodar, mas já escolheram? — O garçom falou enquanto se aproximada de nossa mesa.



— Hum... — Pensei.



— Já comeu o número 18 do cardápio? — Thiago disse.



Observei o cardápio e não fazia ideia do que seria aquele prato.



— Não.



— Olha, eu irei te fazer essa sugestão, se confiar em mim... é um prato super delicioso.



— Tudo bem. — Fechei o cardápio — Número 18, por favor.



— Bebidas? — O garçom perguntou enquanto anotava.



— Suco, por favor. De maracujá. — Virei o rosto para Thiago — E você?



— Quero um suco de maracujá também, para acompanhar a moça. — Ele respondeu ao garçom.



— Certo, qualquer coisa, estarei à disposição. — Disse o garçom saindo do local.



Olhei para Thiago e ele estava sorrindo. Engoli a seco a saliva e percebi que não sabia o que falar naquele momento, ainda estava envergonhada e tímida. Foi tudo simples e, ao mesmo tempo natural, ele começou a conversar comigo e, quando eu percebi, nós estávamos falando sobre teorias da conspiração. Michael Jackson estava ou não vivo? Era a grande questão da nossa conversa. Após isso, discutimos sobre as missões Apollo e a Guerra Fria enquanto comíamos algumas ostras ao molho de vinho. Nunca havia comido aquele prato, mas levei na naturalidade, como se fizesse aquilo a anos. Ficamos conversando por horas, sobre tantas coisas: Política, religião, internet, teorias... Parecia tudo tão fácil. As palavras saíram da minha boca facilmente, sem dificuldade. Não percebemos que o lugar estava vazio e que a cozinha já estava fechando quando o garçom veio nos avisar. Eu me disponibilizei para pagar e o Thiago também, para no final dividirmos a conta.



— Aqui está a via de vocês — Falou o garçom nos entregando aquele pequeno pedaço de papel.



Estendi a mão e peguei. Nos levantamos juntos agradecendo a experiência ao garçom e caminhamos juntos para fora do lugar.



— Muito obrigada por hoje, Thiago. — Falei parando em frente ao bar.



— Mas eu não vou esquecer do que você falou sobre todas as teorias dos famosos e o porquê é real. — Coloquei a mão em minha boca para tapar o riso.



Ele me olhou atônito em um tom de brincadeira.



— Mas é verdade! Eu acredito muito.



— Eu preciso ir.



— Eu posso te levar em casa, se você quiser.



Mesmo com ele me oferecendo eu não poderia aceitar. A minha intuição de mulher gritava para dizer não e que ele poderia ser um louco sequestrador de mulheres e saberia o quê poderia fazer comigo.



— Não, obrigada, obrigada mesmo. — Respondi agradecida.



— Tudo bem.



Estendi a mão e ele a apertou em seguida. Aquele aperto de mão foi gentil e natural, como toda a noite.



— Te vejo depois. — Falei antes de soltar a mão.



— Podemos sair na sexta-feira, se quiser, já que isso não foi um encontro natural.



Pensei e ele estava correto. Aquilo foi casual, não houve pedido ou mensagem, mas foi melhor do quê todos os meus encontros.



— Podemos comer frango frito na sexta, aqui mesmo. — Ele deu a ideia.



— Sim, podemos.



— Quer anotar meu número?



Lembrei que estava sem celular naquele exato momento.



— Eu estou sem celular, aconteceu incidente e estou sem.



— Tudo bem, podemos marcar do mesmo jeito. Sexta às 19h, aqui mesmo?



Confirmei e nos despedimos em seguida. Caminhei até o ponto de ônibus mais próximo e pedir um táxi para voltar ao meu apartamento.

Não parei de pensar no Thiago enquanto voltava para casa. Contei tudo o que aconteceu a Anie e ela ficou super animada. Me senti viva novamente, mas estava com medo de levar bolo na sexta-feira e sim, eu iria comprar um aparelho novo no outro dia. Mas às vezes nós queremos algo novo para nos sentirmos vivos por dentro.

IMPULSOWhere stories live. Discover now