43- MIE BATTAGLIE (Minhas Batalhas)

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Meus cachos se desmancharam nos seus dedos enquanto ele fazia um cafuné sutil e lento. Aquele não era o Piero de horas atrás, era como se fosse outra pessoa. A imagem da katana nas suas mãos ainda me dava náuseas, porém preferi ignorar o lado racional que tanto prezava, para aproveitar suas carícias, e focar em outras coisas. 

Quando, finalmente, virei para ele, me deparei com seus olhos azuis, sempre tão confusos e intensos. Passamos alguns segundos nos entreolhando, perdida no mar de monstros, inebriada pela tempestade inquieta que este afago representava. Piero passou dedão sutilmente sobre minhas bochechas e um singelo sorriso, quase invisível, se formou no meu rosto. Logo, ele pegou minhas mãos frias e as beijou com ternura.

—  Por que está aqui?

—  Prometi cuidar de você, não foi? —  Passou o braço envolta dos meu ombros, me trazendo para mais perto dele. —  Na saúde e na doença, na riqueza e na pobreza, e até o meu último suspiro de vida. 

— Então isso é só uma obrigação para você? —  Nunca quis tanto que ele mentisse como agora. Queria que ele me abraçasse e cuidasse de mim. Contudo, era difícil acreditar nas suas palavras.

Não esperei sua resposta ou sequer dei tempo para tal, apenas encaixei minha cabeça sobre seu peitoral e apoiei a mão ao lado. Me aninhei em seus braços, ignorando todas as minhas inseguranças. Só precisava de um segundo de paz, mesmo que fosse com o homem que eu jurei destruir.

—  Claro que não, você é minha esposa. É a mulher que…

— Pare que falar “minha” como se eu fosse um posse. A sua propriedade. —  Implorei baixinho, segurando as lágrimas. —  Estou tão cansada de que os outros tomem as decisões da minha vida, do meu corpo… —  a voz falhava conforme o choro aumentava. 

O silêncio perdurou por alguns minutos quando a resposta de Piero não veio, não porque concordava. Duvidava muito disso. Mas porque, provavelmente, me olhava com pena nesse momento, ou medo de me machucar. E não essa sensação que desejava. Meus dedos se uniram aos deles, costurados uns nos outros, driblando as gazes nos seus e o sangue seco nos meus, em busca de algo além do silêncio.

 Responda, Piero, ao menos diga que pode tentar…

— Lucrézia, não vou ficar parado. Me peça para matá-lo e farei, mas não me peça para ser indiferente a tudo que esse cornuto te fez. 

—  Ainda não. 

—  Amore mio…

—  Já disse que não, Piero. — Fui ríspida.

— É inacreditável. Como pode?

— NÃO! —  Gritei, e meus pulmões foram atingidos por uma dor aguda.

— ELE ESPANCOU VOCÊ DENTRO DO SUA PRÓPRIA CASA — Piero deixou toda sua ira tomar conta e espessou a voz. 

— Não foi a primeira vez. — Tentei soar indiferente enquanto as lembranças dos golpes, das cicatrizes, do meu sangue derramado impregnadas em cada fagulha de memória dos meus longos anos ao lado do "pai" invadiam minha mente. 

— Mas dessa vez foi diferente, não é? 

— Sim. 

— Foi a última vez. Saveiro nunca mais vai encostar um dedo em você, ninguém vai. Você é minha — percebeu a gafe e tentou se retratar rápido. — É incrível e não merece isso, ninguém merece, na verdade. 

— Não preciso e nem quero que lute nas minhas batalhas. Ele vai pagar, todos vão,  na hora certa. E quando isso acontecer,  não terei um homem na minha frente.

Ele não respondeu, outra vez, mas senti todo o conforto necessário quando beijou minha cabeça e apertou nossos corpos, me guardando nos seus braços. Só não sabia ainda se era como uma joia zelada na caixinha ou como um brinquedo quebrado prestes a ser descartado. Fragilizada, cansada e triste demais, acomodei-me nos seus músculos fortes e fingi por um segundo que nada importava, que eu não era eu, e que ele não era filho de quem era. 

Fingi que não havia uma guerra a caminho.

E adormeci. 

O vazio e a solidão voltaram a me assombrar no meio da noite, o calor que Piero transmitia esfriou, mas o meu ódio não

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O vazio e a solidão voltaram a me assombrar no meio da noite, o calor que Piero transmitia esfriou, mas o meu ódio não. Quando, ainda sonolenta, percorri a extensão da cama a sua procura e notei que ele não estava lá, fiquei irada. Pois sabia exatamente onde aquele figlio di puttana estaria. 

Minhas roupas tinham tanto sangue incrustado que poderia ser confundida com uma noiva cadáver. E levantar da cama foi um inferno, todavia, o ódio é um excelente combustível. E Piero fez questão de trair a minha confiança no primeiro segundo de deslize. 

—  Onde pensa que vai, senhorita? —  Assim que abri a porta, me deparei com Guero de guarda no batente. 

—  Cadê Piero? 

—  Não está no meu bolso…

—  E Matteo? —  massageei as têmporas, irritada.

—  Acho que também não. —  Esvaziou os bolsos da calça. 

—  Não estou com paciência para brincadeira hoje. 

—  E quem está brincando? —  Disse, sem malícia e com um sorriso gentil na face. 

—  Você é patético! Enquanto os seus amigos estão sendo adultos e fazendo o que tem de ser feito, você está aqui, sendo minha babá. —  Satirizei, e joguei seu corpo contra a parede. —  Já imaginou por quê, Guero? —  Não lhe dei tempo para responder. —  Porque você é só o palhaço da turma, com piadas idiotas, sendo um grande idiota! —  Gritei, por fim. E Guero engoliu a seco.  

A resposta veio em seguida, afinal, Fontana também não disponha de papas na língua.

—  Piero está torturando meio batalhão no galpão dos fundos e Matteo deve ter terminado de incendiar os quinto cassino dos D’ Angelos a essa altura. — Pela primeira vez, encontrei raiva nas palavras de Guero. — E não é por isso que estou aqui, ou porque alguém me mandou, mas porque me importo mais com o seu bem-estar do que com esse ego de macho alfa vingativo ridículo. —  Liberou a passagem. —  Quer se destruir mais? Faça isso, não vou ficar no seu caminho. 

Um nó apertado se formou no meu peito, a sensação de perder outro amigo para os meus bons de ser uma vaca. No entanto, deixei esse sentimento na soleira da porta junto com a imagem distante de Guero, e corri na direção da destruição, a minha destruição.  

Continua

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Continua...

Vendetta di Lucrézia (Vingança de Lucrézia)Onde histórias criam vida. Descubra agora