capítulo 2

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"Os homens têm menos
escrúpulos em ofender quem se faz amar do que quem se faz temer, pois o amor é mantido por vínculos de gratidão que se rompem quando deixam de ser necessários, já que os homens são egoístas; mas o temor é mantido pelo medo do castigo, que nunca falha."

Maquiavel, o Príncipe.

Uma das tantas outras coisas daqueles frios e infernais dias, que marcaram a minha passagem para a adolescência de uma forma nada agradável, que me lembro com clareza, fora com certeza aqueles olhos que me encararam com seriedade.

Apesar do frio congelante que adentrava em meus ossos, apesar do pânico crescente que sentia e apesar de todo o horror que fui obrigada a me sujeitar, aqueles olhos com certeza foram algo que nunca consegui esquecer.

Os olhos em um profundo tom de verde, em um rosto tão jovem ainda mostrando rastros de sua jovialidade, fora a coisa mais extasiante e perturbadora que já encarei em toda a minha existência.

Aqueles olhos verdes que se assemelhavam a cor de musgos, ou dos imensos arbustos que cercavam aquela ilha, olhos esses que nunca mais fui capaz de encontrar em todo o restante de minha vida, tão únicos e tão belos, os olhos do meu, naquela época, inimigo. Todos naquela floresta eram meus inimigos, eu precisei eliminar um por um, inclusive o dono desses belos olhos.

Nem que isso me custasse meses e meses de luto e uma dor profunda que me acompanha até hoje.

Respiro fundo antes de me levantar daquele macio sofá, me repreendendo novamente por permitir que minha mente entediada percorresse por caminhos tão sombrios, por lembranças que deveriam ter sido esquecidas, por lembranças que deveriam ter sido enterradas no passado.

Não é do meu feitio voltar com tanta frequência para o passado. Sei o quanto faz mal relembrar de tudo, de como me sinto impotente por não ter conseguido impedir muitos dos arrependimentos que carrego. Olho o bolo de dólares em minha mão, não tenho muitos luxos, além de claro, um bom e velho cigarro e uma cervejinha de vez enquanto. Nunca fui uma mulher vaidosa, exceto quando era necessário.

Tenho consciência de minha beleza. Não sou tímida e muito menos modesta. Sei que quando visto um vestido colado, passo um pouco de batom e claro, utilizo um belo salto, consigo ter qualquer homem que eu quiser. Ou mulher.

Sei que meus olhos azuis se destacam por serem únicos, sei que meu corpo curvilíneo, conseguido por causa dos anos e anos de treino, chamam a atenção e sei o quanto um falso sorriso e as palavras certas podem atrair uma pessoa para as minhas garras.

Em algum momento de minha vida o dinheiro passou a se tornar algo irrelevante. Dia após dia, meses após meses, trabalhos após trabalhos, tudo apenas se tornou rotina em minha vida, principalmente quando tudo acabou.

A guerra interna dentro das duas famílias, os Thompsons e os Menegazzo. Liderada por dois de meus primos e o filho primogênito dos Menegazzo. Liderada por aqueles que haviam sido treinados para substituir os maldito vermes. Uma grande ironia, eu sei. Deve ter sido frustrante ter sido morto por sua prole, por sua criação que julgava ser perfeita.

Fora uma noite extremamente sangrenta, e eu estava nesse dia. Eu estava ao lado de ambos os três, eu estava ao lado deles, junto com diversas outras pessoas, incluindo meu irmão e meu coroa.

Eu não vou ser hipócrita e dizer que essa noite foi a mais aterrorizante da minha vida, porque eu com certeza estaria mentindo.

Não teve noite mais feliz para mim do que aquela.

A noite onde pude deixar todos os meus demônios, todos os meus ressentimentos, todos os sentimentos ruins que transbordavam em minha pele virem a tona e pude deixar tudo extravasar.

 Desejo Profano  (Trilogia Os Irmãos Lancelotti)Where stories live. Discover now