II - A Nova Escola

2K 104 13
                                    

Com boa vontade, a mãe do menino sempre o acompanhava nos estudos em casa, todas as noites. Procurava mostrar a ele a importância de se dedicar ao aprendizado e garantir um futuro melhor para si. Mesmo com todo o trabalho durante o dia, ela tinha uma paciência infinita para ficar ao lado de Eduardo. Por isso, o menino  se esforçava tanto... Pois a primeira coisa que gostaria de fazer era oferecer uma vida melhor aos seus pais. 

Seu pai também se sentava ao lado dele, e se transformava em aluno, disposto  a aprender a ler melhor, visto que estudara somente até o ensino primário. De vez em quando, as crianças ficavam observando  sua mãe pedindo ao pai para ler revistas e livros, onde ela o acompanhava para ajudá-lo a melhorar seu relacionamento com as palavras.

— Mãe, eu amo você e o papai! Agradeço o que vocês têm feito por mim. Estou me esforçando na escola, dando o máximo de mim. Pena que será muito difícil fazer uma faculdade — respondeu Eduardo.

— Continue a estudar e nós vamos conseguir — retrucava sua mãe, sorrindo.

No fundo ela sabia que aquele era um sonho quase impossível. O senhor Roberto e seus irmãos haviam sido criados no campo e direcionados para o trabalho em fábrica. A avó de Eduardo se mudou para a cidade após separar-se do marido. Sua mentalidade era de que os filhos deveriam trabalhar como operários em indústrias, pois apesar de ganhar um baixo salário, isso lhes garantiria o sustento de cada mês.

O garoto se acostumara com a condição simples. Ao ver os outros alunos de sua escola com brinquedos caros, não se importava com isso. Logo que terminava de estudar, se juntava às crianças da vila e jogava bolinhas de gude, soltava pipas e brincava de pique "solta ladrão", que era uma espécie de jogo de "correr e pegar" entre os colegas. Ele também gostava de jogar futebol com bolas improvisadas. Não havia riqueza, mas havia criatividade e alegria naquele lugar de sobra, pois a felicidade não precisa de medida. Existe para ser sentida e, às vezes, está nas coisas mais singelas; um olhar, um sorriso, uma palavra de amor, talvez.

O menino era louco para ganhar uma bicicleta, e seu pai esperou até que algum amigo trocasse a bicicleta do filho para então comprar uma usada para Eduardo, que ficou muito feliz com o presente.

A infância do garoto, que agora se tornava jovem, com a sua dedicação aos estudos, as brincadeiras com as crianças na vila e o amor de sua família, foi ímpar. Possibilitou que ele nunca parasse de sonhar e utilizar a imaginação como bem entendesse. Teve um sábado, por exemplo, que Eduardo sentou-se na escada da varanda e ficou ali, sonhando com os olhos abertos. Olhava a vila e via um gigante descendo a rua, como se fosse real, afundando o chão com suas passadas fortes. Tinha mais de dez metros de altura e a cabeça como a de uma esfinge egípcia. Na sua imaginação, o monstro dizia: "Vim para dominar a vila".

Outras vezes deixava a imaginação levantar voo na igreja, durante a missa, que parecia infinita... Ele via-se voando no teto com sua espada, lutando contra anjos cruéis.

"Vocês não podem entrar na igreja, anjos maus. Vou destruí-los com minha espada e meu escudo".

Enquanto o pastor falava aos fiéis, o menino via-se levitando por cima da cabeça de todos, expulsando os seres que fugiam ao ver sua coragem. Por cima do orador na tribuna, os barulhos estridentes das espadas eram os únicos que o garoto ouvia, sorrindo satisfeito ao deixar o recinto livre dos anjos rebeldes.

Dona Catarina olhava para ele e o via sorrir, hipnotizado e boquiaberto, fitando o alto. De vez em quando, ela o cutucava dizendo:

— Preste atenção nas palavras do pastor, menino!

Viajava nos seus pensamentos, e essa era a sua maior diversão. Até surgir os primeiros amores em seu coração de menino-homem. Afinal, na vila, havia muitas garotas bonitas, e Eduardo já sentia seu coração bater mais forte, quando elas falavam com ele. Uma em especial deixava-o com as bochechas coradas somente por cumprimentá-lo: Ana Clara. Ela era loira, de olhos verdes, cabelos lisos até a cintura, um furinho desenhado no queixo e uma voz suave de menina que parecia o canto de uma sereia. Era a mais velha de quatro irmãs e também a mais linda delas.

O Bisturi de OuroWhere stories live. Discover now