"Sim, sim! Mas, Mestre Merlin..."

"Pois não?"

"Milorde poderia ter ilustrado o conceito de ilusão fazendo surgir uma linda lebre cinzenta de pelos macios. Eu teria entendido da mesma forma!"

Ele sorriu. Era a segunda vez que ela o via sorrir desde que o conhecera. A primeira foi quando lhe pedira que lhe ensinasse magia. Estava escuro naquele primeiro encontro, mas agora, sob o sol da manhã, podia ver cada detalhe do seu rosto. As sardas na ponta do nariz fino e comprido. Os cabelos que eram escuros, mas não negros, e tinham uns reflexos dourados onde o sol batia. As costas das mãos pousadas nos joelhos, também sardentas. Ele era alto e magro — talvez magro demais. E alto demais. Mais alto que os homens da região, quiçá um estrangeiro. E a altura e magreza lhe faziam um pouco desengonçado e desarmonioso, ainda mais encarapitado naquele tronco quase rente ao chão. Era por isso que ele vivia tão isolado? Lady Morgana lhe dissera que ele morava em uma caverna! Será que os homens da região não o reconheciam como um igual e, por isso, só ficavam ao lado dele o tempo necessário? Ou era por medo de que Merlin lhes tocasse fogo nas roupas que estes evitavam sua companhia?

"Lady Viviane?"

Ela acordou de seu devaneio. Ele ainda segurava a caneca, novamente cheia, e parecia prestes a estendê-la outra vez. "Ainda estais em choque?" Parecia preocupado e arrependido. "Eu não tive a intenção..." Fez uma pausa. "Vós nunca saireis machucada de minhas aulas, não tenhais medo."

"Eu sei, Mestre Merlin. Eu estou bem, não vos preocupeis demais com isso, não foi nada grave." E, num rompante de ousadia que fez Merlin arquear as sobrancelhas: "Sabei que é preciso muito mais que umas labaredinhas para me deixar em choque!" Ela deu uma risadinha da expressão surpresa dele (ela própria se surpreendeu com sua falta de recato — que bicho a mordera? —, mas sentia-se à vontade ali. Talvez por ele mostrar-se tão simples e despojado a ponto de escolher dar sua aula sob uma árvore, sentado em um tronco caído! Viviane sentia-se muito bem ao ar livre) e completou: "O fato é que tenho instinto de autopreservação! Foi inesperado, eu me assustei. Eis tudo. Mas gostaria de vos perguntar algo. Poderíeis criar fogo de verdade, se quisésseis?"

"Sim, isso é possível," Merlin confirmou, aliviado por ver sua aluna recomposta e a situação embaraçosa chegar a um fim. "Exigiria de mim mais concentração e mais esforço, no entanto. Eu estaria manipulando a natureza, fazendo uma magia real, e não apenas fingindo. A magia é bem mais difícil de ser executada que as ilusões. E mais limitada, também. Ela permite, mediante muito treino, algum controle dos elementos naturais e, em menor escala, do tempo e espaço. Mas são interferências que, além de restritas, exigem muito tempo para serem dominadas. As ilusões, por outro lado, são muito efêmeras. É preciso causar um efeito imediato no oponente — susto, confusão, surpresa. Do contrário, a tentativa foi perdida, e podeis não ter outro artifício à disposição. Já a magia é mais difícil de reverter, ou mesmo irreversível."

"E qualquer um pode aprender a fazer magia?"

"Não sei. Não vejo impedimentos na teoria, mas, na prática, não sei. Minha experiência é pouca. Sois minha primeira aluna! Minha falta de jeito, aliás, tem-se mostrado bem evidente!" E, pela terceira vez, ele lhe sorriu, seu sorriso mais expansivo até então.

"Dizem que professores iniciantes são os mais dedicados!" ela observou.

"Preciso me esforçar um pouco mais, se pretendo honrar a máxima!"

Ela riu e mudou de assunto: "E quanto às previsões de futuro, as profecias? Ireis me ensinar?"

"Isso, eu não poderia ensinar, porque nunca aprendi — e, ao contrário da magia, tenho certeza absoluta de que não são todos os que podem prever o futuro. Trata-se de um dom, pois, até onde possa me lembrar, nasci assim!"

"Disseram-me que não conseguis prever vosso próprio futuro."

"Disseram-vos? E como podem saber?" ele perguntou, provocativo.

"Perdão?"

"Como podem saber se consigo prever meu futuro ou não? Teriam que ser capazes de ler meus pensamentos para afirmarem isso com tanta certeza, não credes?"

"Ou teriam que acreditar em vossa palavra sobre o assunto."

Merlin achou graça. Esta menina atrevida diante de si não lembrava aquela outra, tímida e nervosa, que o procurara no bosque dias antes. A prudência o aconselhava a desviar a conversa, mas estava curioso pela linha de raciocínio dela.

"Vejo que sois perspicaz! É verdade que tenho parte da culpa pelos boatos. Eu sempre busco contar a verdade, Lady Viviane, e raras foram as vezes em que eu julguei que mentir seria de alguma forma mais vantajoso; mas talvez eu tenha deixado escapar que não posso ver meu próprio futuro, como autoproteção. Para manter o elemento surpresa, compreendeis?"

Sim, isso ela era bem capaz de compreender.

"Então podeis prever o próprio futuro?"

Ele não queria nem mesmo deveria responder a essa pergunta. Mas já falara demais, e chegara a um ponto em que o silêncio seria uma confirmação. Tampouco queria mentir.

"Sim, mas eu evito."

"Como? E por quê?"

"Minhas previsões nem sempre são óbvias ou claras. É comum que elas surjam como alegorias, carecendo de interpretação. Posso demorar dias para atinar com seu significado — em raras ocasiões, apenas consigo entendê-las em sua integridade quando se concretizam. Digamos que, quando percebo que alguma previsão diz respeito a mim, esforço-me menos para interpretá-la, busco mesmo ignorá-la. Mas uma ou outra me alcança — ou por serem muito óbvias, ou porque não me contive e cedi à curiosidade, buscando seu significado. Acreditai, elas são um tipo de prisão."

Ele olhou para cima. O sol iniciava o caminho rumo ao oeste. "Sei que ainda não comecei a vos ensinar nada de muito útil, Lady Viviane, e peço-vos desculpas por isso, mas tenho que ir até o castelo agora, pois o Rei Arthur me espera. Vós me acompanhais?"

Lady Viviane se sentia um pouco frustrada com o fim da aula, mas não considerava que não houvesse aprendido nada de útil. Na verdade, seu mestre lhe dera muito em que pensar até o próximo encontro.

"Sim, claro! Também eu devo retornar ao castelo!"

Seguiram em silêncio até a entrada principal. Apenas ao cruzarem o umbral Merlin se deu conta de que vinha assobiando uma cançoneta que aprendera na infância e que julgava nem mais lembrar.



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