Me lembro dela...

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  *Em um ponto não conhecido do tempo*
   A noite caia sobre a floresta, e a lua se levantava em meio as poucas nuvens espalhadas no céu. Grilos e cigarras cantavam enquanto sapos coaxavam, todos em uma sintonia sem compasso, lutando para ser o mais alto.
   Em meio aos sons, uma figura humanoide se espreitava nas sombras das árvores densas, andando em harmonia com o barulho, como se não quisesse ser ouvida. Uma mulher encapuzada, com um fino tecido marrom que cobria todo seu corpo, manchas avermelhadas espalhadas em formas abstratas por toda a extensão do tal, sangue. Após um tempo de caminhada, agachou-se abaixo de um arbusto próximo a um riacho. Ela se disfarçava com facilidade entre as folhas que farfalhavam pela fraca brisa. Porém, em seu colo, um pequeno e volumoso cobertor roxo se destacava do ambiente: era um bebê.
   A criança, enrolada no tecido, chorava; queria se soltar, mas suas tentativas falharam graças às várias camadas da manta. O bebê gritava alto o suficiente para que até os peixes ouvissem.
   Em meio a esse pânico todo, a moça não se sentia muito diferente do ser que carregava. Lágrimas escorriam de sua face, não de tristeza ou alegria, mas de ódio. Ela tampava a boca do recém-nascido com suas mãos ensanguentadas na esperança de o calar enquanto urrava:
— Cale a boca! — dizia repetidamente. —Por que você ainda insiste em me atormentar?! Seu demônio!
   Durante as tentativas de silenciá-lo, perguntou a si mesma por que aquela infelicidade a havia atingido, não poderia ter sido outro? Ela só queria que tudo acabase logo. Graças àquele infortúnio, sua vida estava acabada.
- Olhe para mim! Olhe o que fez comigo! Olhe o que você me obrigou a fazer! Eu... eu... fiz de tudo por você, não fiz? Então, por quê?
   Cansada de todo o estorvo que acabara de ocorrer, sentou-se em seus joelhos e agarrou com força sua roupa, puxando-a, angustiada. Ela não aguentava suas próprias emoções. Não sabia se era ódio, tristeza ou compaixão. Nunca tinha sentido tantas coisas ao mesmo tempo. Quando olhou para aquele rosto entre as colchas.
— Eu não quis matá-los... eu nunca quis fazer mal a eles.
   De repente, sua raiva se transformou em melancolia e arrependimento.
— Foi você quem me fez fazer aquilo. Não fui eu, foi você... não é? Por favor, me diga que não foi de propósito, diga que não, por favor!
   A moça, então, fechou os olhos e levantou sua cabeça. Respirou fundo e enxugou as lágrimas. Neste pequeno momento de lucidez, olhou para o seu lado e percebeu o riacho. Estava tão distraida com seus sentimentos que nem tinha o notado. Ele era largo, mas raso e calmo. A àgua era cristalina e estava cheia de pedrinhas de todas as cores.
— Você sempre foi assim: chorona. Desde o primeiro dia que você saiu de mim, já sabia que você iria trazer problemas, e olhe agora. Nós não podemos mais voltar... eu não posso mais voltar!
    A mãe engatinhou com sua filha no colo e andou lentamente em direção ao rio. Ao chegar na beira, se levantou e disse:
— Você veio de mim, e por mim você irá! Que essa água leve sua alma corrompida para os confins desse mundo.
   Nesse momento, ela estava pronta para jogar o bebê no rio. Olhou para o córrego e proclamou:
— Morra, demônio!
   Mas nada aconteceu; ficou paralisada. Seu coração estava acelerado, e ela se arrepiou por completo. Sentia medo, pavor, mas não sabia de quê.
   Do outro lado do rio, entre as densas folhas da mata, viu dois olhos a observando. Eram totalemente pretos, sem pupilas. Não tinham sentimentos. Certamente, não o era algo humano.
   Instintivamente, a moça abraçou a menina que estava nas suas mãos. Por mais que a odiasse, seu instinto materno era mais forte.
   Ela deu leves passos para trás e perguntou:
— Quem está aí?! Apareça!
   Nada aconteceu. Poucos segundos depois, uma fina camada de luz atravessou por poucos momentos as árvores e mostrou a figura: um veado.
   Ao ver o animal, ela começou a analisá-lo. Ele não se mexia, estava na mesma posição até agora. Quando percebeu, agarrou o bebe agressivamente e disse com a voz falha:
— Ele está morto.
   Após a frase, algo derrubou o animal no chão. Tinha algo atrás dele: um vulto sem formato concreto. Tal ser era completamente distorcido e deformado, quase igual à fumaça. Aquela aberração flutuava devagar em harmonia com o vento.
   Ficou tudo quieto de repente. As cigarras e os grilos pararam, e não se tinha sinal algum dos sapos. O vento ficou mais forte. O ambiente estava totalmente diferente.
   Então, uma voz se propagou no ar.
— Você... tem algo... que me pertence...
   A mulher ficou assustada. Nunca tinha ouvido nada parecido com isso antes: era como se várias pessoas falassem ao mesmo tempo. Ela estava ficando cada vez mais e mais nervosa. Ele continuou:
- Essa filha... não é sua... você a roubou dele... a roubou... de mim... roubou...
   Ela ficou pasma. Ele estava falando do bebê. Ele o queria. Mas ela não podia dar. Por mais assustada que estivesse, sua filha tinha que pagar pelo o que fez.
— Eu já perdi muito por causa dela, e não vai ser você que irá me impedir de acabar com minha dor. JÁ NÃO TEM VOLTA, ESSA CRIANÇA IRÁ PAGAR POR TUDO QUE ELA ME FEZ, NEM QUE EU PAGUE JUNTO!
   Ela retirou um pequeno cristal vermelho e brilhante, totalmente instável, de dentro de uma bolsa de lã. Era comum que todos tivessem um para se proteger de perigos.
   Além disso, ela sabia que apenas uma rachadura naquele cristal seria capaz de criar uma explosão.
— Se afaste! — ela gritou.
— Você... não tem... coragem... já falhou uma... vez... mê de... a criança...
   Então, o vulto flutuou em direção as meninas.
- Eu não vou recuar, eu disse pra sair!
   Ela levantou a pedra brilhante para o alto enquanto recuava da sombra.
   O clima estava tenso. Ela tinha com dificuldade de respirar e ficava mais ansiosa a cada segundo, já não conseguia mais pensar direito. Ela suava frio enquanto tentava arranjar forças para jogar o cristal no chão e acabar com tudo, mas não tinha coragem.
   Queria matar aquela criança, mas não conseguia. Seu medo de morrer era muito grande. Sabia que teria que pagar por tudo que ela fez, mesmo que a outra a tenha feito fazer tal coisa.
   Infelizmente, não se tinha mais tempo. A sombra voou rapidamente em direção a elas.
   Era agora ou nunca. Ela juntou o que restava de suas forças e lançou o cristal em direção ao chão.
— Espero que queime.
   Então, tudo se silenciou e apenas um barulho ecoou por toda a floresta. O som do cristal quebrando.
         *crash*

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⏰ Ostatnio Aktualizowane: Nov 25, 2022 ⏰

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