Quinto Livro

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ARGUMENTO

Este quinto livro contêm os palácios de Psiquê e os amores que com ela teve o deus Cupido, e de como lhe vieram visitar suas irmãs; da inveja que tiveram dela, por cuja causa, acreditando Psiquê o que lhe diziam, feriu seu marido Cupido com uma chaga, pela qual caiu de uma cume de sua felicidade e foi posta em tribulação. A qual, Vênus, como a inimizade, persegue muito cruelmente; finalmente, depois de passar muitas penas, foi casada com seu marido Cupido, e as bodas celebradas no céu.

CAPÍTULO I

Como a velha, prosseguindo em seu conto para consolar à donzela, conta como Psiquê foi levada à uns palácios muito prósperos, os quais descreve com muita eloquência, onde por muitas noites folgou com seu novo marido Cupido.

–– Psiquê, estando deitada brandamente naquele formoso prado de flores e rosas, aliviou-se da pena que em seu coração tinha e começou docemente a dormir. Depois que suficientemente descansou, levantou-se alegre; viu ali perto uma floresta de muito grandes e formosas árvores; viu deste modo uma fonte muito clara e aprazível; em meio daquela floresta, perto da fonte, estava uma casa real, a qual parecia não ser edificada por mãos de homens, mas sim por mãos divinas: à entrada da casa estava um palácio tão rico e formoso, que parecia morada de algum deus, porque o zaquizamí e cobertura era de madeira de cedro e de marfim maravilhosamente lavrado; as colunas eram de ouro, e todas as paredes cobertas de prata. Na qual estavam esculpidos bestas e animais que pareciam arremeter-se em direção aos que ali entravam. Maravilhoso homem foi o que tanta arte sabia, penso que era meio deus, até acredito que fosse deus o que com tanta sutilidade e arte fez da prata estas bestas feras.

Pois o pavimento do palácio todo era de pedras preciosas, de diversas cores, lavradas muito minúsculas como obra mosaica: de onde se pode dizer uma vez e muitas que bem-aventurados são aqueles que pisam sobre ouro e pedras preciosas; já as outras peças da casa, muito grandes, largas e preciosas, sem preço. Todas as paredes forradas em ouro, tão resplandecente, que fazia dia e luz do mesmo modo, embora o Sol não quisesse. Desta maneira resplandeciam as câmaras, os portais, corredores e as portas de toda a casa. Não menos respondiam à majestade da casa todas as outras coisas que nela havia, por onde se podia muito bem julgar que Júpiter fundasse este palácio para a conversação humana. Psiquê, convidada com a formosura de tal lugar, chegou perto e com um pouco mais de ousadia entrou pela soleira de casa, e como lhe agradava a formosura daquele edifício, entrou mais adiante, maravilhando-se do que via. Dentro da casa viu muitos palácios e salas perfeitamente lavrados, cheios de grandes riquezas, que nada havia no mundo que ali não estivesse. Mas, sobretudo, o que mais se poderia homem ali maravilhar, demais das riquezas que havia, era a principal e maravilhosa que nenhuma fechadura nem guarda havia ali, onde estava o tesouro de todo o mundo. Andando ela com grande prazer, vendo estas coisas, ouviu uma voz sem corpo que dizia:

–– Por que, senhora, você se espanta de tantas riquezas? Seu é tudo isto que aqui vê; portanto, entre na câmara, ponha-se a descansar na cama; quando quiser demanda água para banhar, que nós, cujas vozes ouve, somos suas servidoras e lhe serviremos em tudo o que mandar, e não demorará o manjar que preparam para reforçar seu corpo.

Quando isto ouviu Psiquê, sentiu que aquilo era provisão divina; descansando de sua fadiga, dormiu um pouco, depois que despertou levantou-se e lavou-se; vendo que a mesa estava posta e preparada para ela, sentou-se; logo veio muita cópia de diversos manjares, e, do mesmo modo, um vinho que se chama néctar, de que os deuses usam: contudo não aparecia quem o trazia, e somente parecia que vinha no ar; nem tampouco a senhora podia ver ninguém, mas somente ouvia as vozes que falavam, só a estas vozes tinha por servidoras. Depois que comeu, entrou um músico e começou a cantar, outro a tocar com uma viola, sem serem vistos; depois disto começou a soar um canto de muitas vozes. Como que nenhum homem aparecesse, bem se manifestava que era coro de muitos cantores.

O asno de ouroWhere stories live. Discover now