Segundo Livro

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ARGUMENTO

De tanto que Lucio Apuleio andava muito curioso na cidade de Hipata, olhando todos os lugares e coisas dali, conheceu sua tia Birrena, que era uma proprietária rica e honrada; declara o edifício e estátuas de sua casa; como foi com muita diligência ele avisado que se guardasse da mulher de Milón, porque era grande feiticeira; como se apaixonou pela empregada da casa, com a qual teve seus amores; do grande aparelho do convite da Birrena, onde ingere algumas fábulas graciosas e de prazer; de como guardou um a um morto, pelo qual lhe cortaram os narizes e orelhas; depois como Apuleio retornou de noite à sua estalagem, cansado de matar não a três homens, mais a três odres.

CAPÍTULO I

Como andando Lucio Apuleio pelas ruas da cidade de Hipata, considerando todas as coisas, por achar melhor o fim desejado de sua intenção, topou-se com uma tia sua chamada Birrena, a qual lhe deu muitos avisos em muitas coisas de que se devia guardar.

Quando outro dia amanheceu e o Sol saía, eu levantei com ânsia, desejo de saber e conhecer as coisas que são estranhas e maravilhosas; pensando como estava naquela cidade, que é em meio da Tessália, aonde por todo mundo é fama que há muitos encantamentos de arte mágica; também considerava aquela fábula do Aristómenes meu companheiro, a qual acontecera nesta cidade.

E com isto andava curioso, atônito, esquadrinhando todas as coisas que ouvia. E não havia outra coisa naquela cidade que, olhando-a, eu acreditasse que era aquilo que era; mas parecia-me que todas as coisas com encantamentos transformavam-se em outra figura: as pedras, achava que eram endurecidas de homens; as aves que cantavam, deste modo de homens convertidos; as árvores, que eram os muros da cidade, por semelhante tornaram-se; as águas das fontes, que eram sangue de corpos de homens: pois já as estátuas e imagens pareciam que andavam pelas paredes; que os bois e animais falavam e diziam coisas de presságios ou adivinhações. Também parecia-me que do céu e do Sol tinha que ver algum sinal.

Andando assim atônito, com um desejo que atormentava-me, não achando começo nem rastro do que eu cobiçava, andava cercando e rodeando todas as coisas que via; assim andando com este desejo, olhando de porta em porta, subitamente, sem saber por onde andava, achei-me na praça do Cupido; e eis aqui onde vejo uma proprietária bem acompanhada de servidores, vestida de ouro e pedras preciosas, o qual mostrava bem que era uma mulher honrada; vinha a seu lado um velho já em idade avançada, o qual, logo que me olhou, disse:

–– Por Deus, este é Lucio.

E deu-me paz; chegou-se à orelha da proprietária e não sei o que lhe disse muito baixo. Retornou a mim, dizendo:

–– Por que não chega à prima de sua mãe e fala-lhe? Eu disse:

–– Tenho vergonha, porque não a conheço.

E nisto, a cara vermelha e a cabeça abaixada, detive-me; ela pôs os olhos em mim, dizendo:

–– Oh bondade generosa daquela muito honrada Sálvia, sua mãe, que em tudo lhe parece igualmente como se com um compasso medissem-lhe! De boa estatura, nem fraco nem gordo, a cor temperada, os cabelos vermelhos como ela, os olhos verdes e claros, que resplandecem no olhar como olhos de águia; a qualquer parte que o olhem é formoso e tem decência, assim no andar como em todo outro.

O asno de ouroWhere stories live. Discover now