A sexta carta

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A
sexta carta estava em cima de um criado-mudo ao lado da cama de Diluc, quando ele acordou.

À princípio, pareceu um desafio abrir os olhos. Deitado tão confortavelmente em um colchão desconhecido, o corpo de Diluc doía em cada centímetro — como se uma série de búfalos tivesse pisoteado por cima dele — e as pálpebras do rapaz estavam pesadas, extremamente sonolentas por conta da fadiga.

Quando a realização penetrou sua consciência dormente, o silêncio estranho e bom demais para ser verdade, foi que Diluc levantou o corpo rapidamente, sentando-se na cama de imediato.

Ele se arrependeu da ação no mesmo instante que a dor causou um lampejo lancinante em seu ombro. Fixou os olhos ali com uma surpresa hostil, vendo algumas bandagens enroladas ao redor daquela parte. Uma ou duas ainda mostravam indícios do vermelho do sangue.

Seu abdômen exposto significava que alguém tinha o despido das roupas de cima, limpado a sujeira de sua pele e tratado de seus ferimentos com algum tipo de remédio que cheirava fortemente a ervas medicinais silvestres. Depois, cobrira Diluc com um cobertor grosso e ascendera uma lareira velha, caindo aos pedaços, localizada na outra extremidade do quarto.

Aquela cabana de madeira — assemelhava-se a uma, pelo menos — era tão simplória que só havia três cômodos: o quarto, uma cozinha, aparentemente abandonada pelo tempo, e um banheiro cuja porta estava entreaberta. Todos bastante pequenos, de modo que Diluc conseguia ver a extensão inteira com apenas meia virada de pescoço.

Desconfiado, Diluc umedeceu os lábios secos de frio e chamou em voz alta. Sua voz era só um ruído rouco, assolado pelo silêncio que perpetuava. Mesmo assim, não houve resposta nenhuma. De certa forma, este fato mais do que tranquilizou o coração agitado do Ragnvindr.

Ele não se lembrava de quase nada, não sabia onde estava, exceto o que tinha acontecido antes de acordar ali.

Sua invasão a uma das bases mais importantes dos fatuis havia dado errado. Ao contrário das respostas definitivas que procurava, Diluc tinha encontrado um oponente forte o bastante para atirá-lo contra uma parede, enterrando seu corpo nos tijolos e desnorteando-o no processo. Bastou só um segundo de desatenção, um movimento mais acentuado para a direita de seu espadão para que ele fosse arrancado de suas próprias mãos por um brutamontes.

Era bem mais difícil lidar com os combates complicados sem sua Visão. Momentaneamente, Diluc Ragnvindr lamentou a falta dela quando foi subjugado e espancado, obrigado a ficar de joelhos e depois trancafiado em uma cela escura, onde ele era o único prisioneiro.

Não contou quantas horas passou lá. Talvez tenha sido um dia todo. Pareceu tempo demais, mas Diluc aguardou atentamente por qualquer oportunidade para poder fugir antes que o chefe daqueles fatuis chegasse à base. Ele entendia que, quando "ela" retornasse, as chances de Diluc sair vivo de Snezhnaya seriam próximas de 0.

Assim, logo que suas mãos chegaram perto o suficiente do pescoço de um dos guardas — que pensou que o jovem estava machucado demais para ter forças — Diluc o nocauteou e roubou suas chaves, conseguindo abrir a cela e fugir com um dos cavalos dos estábulos deles.

Enquanto cavalgava como se sua vida dependesse disso (e dependia), Diluc sentiu-se aliviado quando pegou distância suficiente para que os fatuis em sua cola se tornassem apenas borrões pretos no horizonte atrás de si.

No entanto, antes que botasse seus pés em um lugar seguro, uma flecha repentinamente atingiu o ombro de Diluc, atravessando-o, vinda de um ponto cego longe dele. Ele gritou de dor e, embora se esforçasse ao máximo nos minutos seguintes para continuar estável e galopando, sua visão começou a escurecer — o corpo ferido escorregando das costas do corcel negro.

Cartas para Diluc - LucKaeWhere stories live. Discover now