A quinta carta

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"Caro Mestre Diluc Ragnvindr

Gostaria de agradecer à sua última carta.

Confesso que não esperava que, por mais que eu mesmo tivesse pedido, você realmente me escrevesse sobre o andamento das coisas. As coisas novas, que eu não faço parte. Coisas envolvendo você e as terras distintas pelas quais você passa.

Ler a sua caligrafia rústica me causou um nó na garganta.

Não estou falando mal da sua letra, longe de mim fazer isso. A tinta preta, quando usada por você, tem curvas sinuosas quebrando o que é reto, exagerada em alguns traços, mas que certamente possuem seu charme especial. A leitura não foi ruim, definitivamente não. Se fosse ruim, eu não teria guardado a carta debaixo do meu travesseiro.

Mais de um ano desde sua partida e minha rotina está mais tediosa do que nunca.

Fui praticamente obrigado a receber um bando de nobres de nariz empinado, nomes poderosos da indústria do álcool e demais convidados importantes, recentemente.

Houve uma festa aqui no Vinhedo do Amanhecer, não sei se o seu "eu" do presente teria gostado. Você não costumava amar essas festas nem quando Crepus as quem recepcionava, embora parecesse empolgado com os olhares sobre você e a responsabilidade que seu pai lhe atribuía. Eu sei, porque me recordo de ver aquele lampejo esperançoso na sua face. A expressão no seu rosto quando checava a disposição das taças, os pratos organizados sobre a toalha ou quando Crepus tocava no seu ombro, apresentando-o orgulhosamente para alguma pessoa.

Adelinde e Charles me ajudaram a planejar os detalhes problemáticos desta ocasião, ainda que não pudessem afugentar todas as perguntas sobre seu paradeiro. Nada impediu que a festa ficasse excepcionalmente sem graça sem a sua presença. Aproveitei para comer e beber um monte, sem o olhar de Adelinde me censurando, como se eu fosse acabar com a última gota de vinho do mundo. No fundo, entendo que só está preocupada comigo. Ela faz cara feia toda vez que encontra uma garrafa vazia no meu quarto.

Na festa, parecia que todos estavam esperando por uma miragem, um fantasma seu descendo as escadas com as típicas roupas escuras. Não ouso sequer chamar de celebração. As pessoas demonstravam estar felizes e entretidas, no entanto, a atmosfera soava quase como a de um enterro para mim.

Você sabe o quão chato é dar sorrisos falsos, Diluc?

Acho que não. Não me lembro de ter te visto sorrir, sem ter tido pelo menos a mínima vontade de sorrir.

Deve ser por isso que sempre estimei essas vezes em que seus lábios se curvavam despreocupadamente. Sorrisos tão genuínos e raros, verdadeiras estrelas cadentes, como os meus nunca tinham sido. Como os meus nunca vão ser.

Sorrir falsamente se tornou tão natural que, quando percebi, começou a me incomodar. É como se eu não soubesse mais o que fazer. Como se eu me desse conta disto toda vez que acontece, e então desejasse, por um momento, que eu pudesse ser outro alguém.

Você provavelmente está se perguntando o porquê de eu estar dizendo isso, certo?

Eu nunca fui muito aberto com ninguém, nem mesmo com você. Existiu um tempo em que éramos carne e osso, passávamos as mesmas coisas juntos, vivíamos juntos, mas eu sempre me senti mal em pensar as coisas que costumava pensar. Nunca consegui realmente lidar com a gratidão maçante, entalada nos meus pulmões. Nunca entendi se gostava ou não do meu nome ser "Alberich" e não "Ragnvindr".

Nunca nem soube a forma certa de tratar meus sentimentos, porque sempre senti como se fossem os segredos mais sujos e pecadores deste mundo.

Agora, segurando sua Visão quente nas minhas mãos e me lembrando do dono dela, penso se não deveria ter gritado quando senti vontade de gritar. Soa muito simples; talvez seja. Quem sabe as coisas fossem diferentes hoje em dia. Quem sabe você de fato me compreendesse, como ninguém nunca vai compreender, ainda que eu sinta que já não estamos mais na mesma página há muito tempo.

Cartas para Diluc - LucKaeWhere stories live. Discover now