Capítulo 10 - 27 de abril (Todoroki's POV)

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O vibrar incessante do meu celular me distrai da melodia que ecoa pelos fones de ouvido. Olho a tela e prevejo o nível de ansiedade da minha melhor amiga no grupo da banda.
"O Kaminari já arrebentou uma das cordas do meu violão e eu estou EM DESESPERO."
Esboço um sorriso. Isso já é tão frequente, que eu sempre ando com dois pacotes de cordas extras na bolsa.
"O dia mal começou e já tentaram derrubar a Momo umas 30 vezes", comenta Kirishima.
Como hoje é o dia de recepção de potenciais novos membros no clube estudantil, a Momo encontra qualquer motivo para surtar, como a nova cor de cabelo da Jiro. Ou um novo piercing meu.
"Todoroki provavelmente silenciou esse grupo, se ele tem algum bom senso restante", Jirou rebate, rapidamente.
Geralmente deixo o celular no não perturbe: não é bem silenciar, mas funciona como se fosse.
"Jirou, nem brinca com isso. @TODOROKI CADÊ VOCÊ, PELO AMOR DE DEUS?"
Abro o chat privado, e me deparo com nada mais e nada menos que 30 mensagens enviadas pela vice-presidente do grêmio estudantil. E opto por apenas dizer:
"Relaxa. Eu tenho cordas reservas aqui e ainda estou levando um brownie para te animar. Chego em 5"
Recebo uma surra de emojis de coração — especialmente aquele coreano — e volto a escutar a música enquanto observo a paisagem pela janela do carro. É primavera no Japão, então o clima está bom o bastante para as pessoas andarem nas ruas sem casacos ou luvas. Qualquer um poderia pensar que essa estação do ano é a melhor de todas: o tempo é bom, tem mais atividades ao ar livre para serem realizadas, as pessoas parecem ser mais felizes e até o turismo é mais rentável durante esse período. É uma época agradável para todo mundo, exceto eu. Tudo parece plástico e perfeito demais, todo mundo feliz... é até um pouco enjoativo. Sinto falta do inverno porque cria uma certa distância entre as pessoas, algo que acho extremamente confortável. Além das comidas serem maravilhosas, claro. Quem não adora um oden quentinho em um dia de neve?
No Japão temos a cultura de clubes escolares, que contam como atividades extracurriculares e garantem pontos para ingressar em instituições de ensino superior. O pré-requisito para criar um clube é ter um orientador — no nosso caso, é o professor Hizashi Yamada, conhecido como Present Mic — e tem que ter um mínimo de cinco membros (no caso, eu, Momo, Kirishima, Kaminari e Jirou). Geralmente, existem três linhas de raciocínio para escolher o clube: você faz de algum tema que você queira seguir durante a faculdade; ou escolhe algo baseado nos seus hobbies; ou faz por obrigação, só para contar pontos. No meu caso, por adorar tocar guitarra — e também por querer irritar o meu pai, que queria que eu entrasse para algum clube de esportes —  fundei, junto com o restante da banda, o clube de música. Como faz 1 ano apenas, somos os únicos membros. Não que eu faça questão de deixar mais pessoas entrarem, mas a Momo está preocupada com a "continuidade do nosso legado", então todos temos que recrutar novos integrantes. Fico cansado só de pensar em ter que avaliar um bando de adolescentes preguiçosos que provavelmente nem se importam com o futuro do clube. Mas, como no próximo ano nós quase não teremos tempo para nos reunirmos como agora — porque estaremos no terceiro ano — , não fará diferença ter novos membros.
Chego relativamente cedo, com pelo menos 40 minutos de folga antes de começar as aulas. Acho que provavelmente conseguirei trocar as cordas da Momo e dar uma checada final em todos os instrumentos. Dirijo-me para a sala de música, que é onde nos reunimos depois da aula para praticarmos — e encontro todos reunidos.
— Todoroki, você chegou! — Momo me cumprimenta com uma reverência rápida, me puxando pelo pulso até o violão dela, o qual estava em um suporte na parede oposta à porta — Consegue trocar antes da aula começar? Queria garantir que ela desafinasse o mínimo possível durante o processo seletivo dos novos membros.
— Dá certo sim — pego o violão do suporte e levo-o até o banco mais próximo, retirando minha mochila das costas e buscando um alicate e um pack de cordas novas.
— Você é um salvador de vidas. Vê se aprende com ele, Kaminari — Momo cruza os braços, impassível.
— Eu já pedi desculpas! Como eu ia saber que quebraria tão fácil? — Kaminari responde, fazendo biquinho.
— Era meio óbvio, cara. Você tava tocando com tanta força que dava pra ver o tríceps que você não tem durante o movimento — Kirishima observa, enquanto bate as baquetas contra a mesa do professor.
— A Momo já ia estrangular o Kaminari com a mizona. Ia ser uma cena até curiosa, mas não valeria o estresse — Jirou comenta desinteressadamente, enquanto toca a linha de baixo de The Less I Know The Better, do Tame Impala.
Retiro a corda quebrada e substituo por uma nova rapidamente, afinando logo em seguida.
— Só me lembra de depois trocar o restante, certo? Porque as outras estão velhas demais — observo, antes de passar os olhos pelo restante das peças, buscando mais imperfeições a serem corrigidas.
— Tá vendo? Não fui só eu! As cordas estavam enferrujadas também — Kaminari protesta, mas é ignorado pelo restante.
Momo aproveita esse pouco tempo livre que ainda temos antes da aula para garantir que tudo está nos conformes e que ninguém esqueceu de nada, enquanto dedilho algumas melodias incompletas no violão, somente para passar o tempo.
— Música nova, meu patrão? — Kirishima aproxima-se, com as baquetas guardadas no bolso dianteiro da calça.
— Não, só uma melodia aleatória mesmo.
— Ah, entendi. Achei que poderia ser um bom instrumental para aquela poesia que a Momo apresentou na cerimônia. Já pensou em tentar transformar em uma música?
— Não. E desde quando isso é da sua conta, Kirishima?
— Calma, meio a meio — ele assume uma postura apaziguadora, estendendo as palmas ao lado do corpo — Eu tô só puxando conversa. Pra que essa revolta toda, jovem?
— Porque eu não suporto gente intrometida que não tem nada interessante acontecendo na vida e quer só encher o saco dos outros — respondi, rispidamente. Isso é uma das coisas que mais me irrita no mundo: pessoas que simplesmente supõem o que quiserem sobre mim, sem base nenhuma. Como o Midoriya costumava fazer.
— Quem você acha que é, filhinho de papai? Olha na minha cara e repete isso de novo — Kirishima cutuca o meu esterno, me obrigando a olhar para ele. Ruivo de merda.
Cerro os punhos e respiro fundo. Antes mesmo de eu poder retrucar, Jiro interrompe:
— Ei, seus imbecis. Calem a boca. Tô sem paciência para presenciar uma disputa de testosterona. Se resolvam dialogando pacificamente ou não troquem uma palavra. Simples assim.
— Lacrou, Jiro! Essa é a minha amiga! — Kaminari estende a palma da mão esperando receber um hi-five da Jirou, que responde com um soco na barriga dele — AÍ! Por que você fez isso?
— Deu vontade. Enfim, crianças, vamos para a aula? Tô zero afim de uma bronca do Present Mic logo hoje.
— Exatamente. Resolvam-se antes do processo seletivo, por favor. Aliás, acho que todos podemos ir pra sala, né? Mas antes: Todoroki, uma palavrinha? — Momo completa.
Kirishima me olha torto, mas retira-se da sala com o restante dos membros. Kaminari me dá um thumbs up — idiota — antes de fechar a porta atrás de si. Agacho-me próximo ao banco onde eu estava sentado e começo a juntar meus materiais.
— Sabe, você não precisava ter sido tão grosseiro com o Kirishima — Momo caminha pela sala, passando a ponta dos dedos pelos instrumentos.
— Se ele não fosse um idiota intrometido, eu não teria respondido daquele jeito.
— Você sabe que ele não fez por mal.
— E você sabe que eu odeio as pessoas que supõem que sabem algo sobre mim sem me conhecerem de verdade.
Momo respira fundo, deixando um breve silêncio ressoar entre nós. E continua:
— Isso é sobre o Midoriya?
— O que isso tem a ver?
— Tudo, Todoroki. Você ficou na defensiva com todo mundo, inclusive comigo, desde que deixaram de ser amigos — ela apoia o ombro na parede, mantendo uma distância entre nós — Sei que a amizade de vocês era importante, e que essa situação te chateia. Só não é justo descontar sua frustração nos outros. A gente só quer ajudar. Você...
— Desde quando eu pedi ajuda? — corto a fala dela, olhando-a da forma mais gélida possível — Ao invés de tentar se meter na minha vida, deveria criar coragem pra cuidar da sua e falar pra sua mãe toda a verdade que você insiste em esconder. Mas, claro, é mais fácil se ocupar com a minha, certo?
Vejo as lágrimas se acumulando no canto dos olhos, assim como os lábios sendo mordidos a ponto da boca tornar-se uma linha branca. É nesse momento que eu percebo que talvez eu tenha passado dos limites. Mas, em minha defesa, eu não teria feito isso se ela não tivesse mencionado isso.
— Momo, eu... — tento dizer, mas sou interrompido por um aceno.
Ela poderia ter dito milhões de coisas: xingamentos, lição de moral ou até mesmo ter continuado a briga. Mas ela apenas olhou nos meus olhos e, em silêncio, foi embora.
Não faz sentido. Não entendi porque ela mencionou isso logo agora. O Midoriya era apenas um amigo, como qualquer outro. Não deu certo, e faz parte. Por que as pessoas se importam tanto com amizades? Afinal, são relações efêmeras, existentes apenas por escolha, que duram só um período da vida. Não deveria ser algo que gere sofrimento caso termine, afinal, é o esperado. Assim como o restante das coisas, não é para sempre, até porque isso não existe; é só uma invenção criada para confortar pessoas fracas. De qualquer forma, mais tarde eu vejo se falo com ela para entender o que se passou na cabeça dela para ter dito aquilo. Olho a tela do meu celular e percebo que estou atrasado 10 minutos para a aula. Droga, com toda a certeza vão ligar para o Enji perguntando onde eu estou e ele vai me encher o saco o mês todo por isso. Então, já que vai ser assim, melhor ser com motivo, certo?
Arrumo minha mochila, pego meu violão e vou para o telhado do colégio, para fazer um uso melhor do meu tempo.
O sol brilha suavemente no céu, e os ventos estão bem mais tranquilos do que da última vez que eu estive aqui. Com o Midoriya. Naquela manhã, eu lembro de ter tido uma briga com o Enji sobre a minha escolha de curso superior, e ter ficado de castigo por ter faltado às aulas do curso preparatório. Mas o que me deixou irritado foi o fato da minha mãe ter concordado com a decisão dele, sem ao menos tentar entender o meu lado. Ela, assim como ele, quer que eu assuma os negócios da família, porque querem garantir o meu futuro. Nesse dia, eu fui andando para o colégio, porque não queria ter que passar nem mais um segundo ouvindo isso. Fui para o telhado porque eu precisava de silêncio. Queria parar o tempo por um momento para reorganizar as ideias e voltar à vida real com mais controle. Queria quebrar qualquer coisa que estivesse ao meu alcance. Queria poder gritar a plenos pulmões o quanto eu odiava ser Shoto Todoroki. Queria conseguir chorar todas as lágrimas que eu escondi da minha mãe durante tantos anos. Ou até mesmo xingar o Enji de todas as coisas possíveis. Mas eu só consegui ficar em silêncio enquanto o aperto no meu peito ficava mais forte. Na hora que eu ia sair para voltar para a sala, foi quando bati a porta no Midoriya acidentalmente, e toda aquela situação aconteceu. Foi apenas mais um dia onde as palavras dele foram a gota d'água para eu perder a paciência e ele se provou ser uma perda de tempo para mim, e que a melhor decisão que tomei foi me abster da amizade dele.
Caminho até uma escada que tem na parede lateral à porta, e subo-a, com dificuldade por causa do peso do violão. Chego ao topo, onde encontro um banco dobrável e algumas latas de refrigerante vazias que deixei da última vez que fiquei aqui. Há alguns meses, esse se tornou um porto seguro para mim. Um lugar onde ninguém poderia me encontrar e que eu poderia fazer o que quisesse. Pego meu celular no bolso e coloco-o no modo avião, para garantir que ninguém vai interromper o meu momento de paz durante esta manhã. Tiro meu violão da case e dedilho suas cordas, checando se está afinado. Pego meu caderno dentro da mochila e busco a página onde está escrita uma música que comecei a compor no último mês.

You are my hero - A história de DekuWhere stories live. Discover now