Capítulo 8 - 09 de março

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— Midoriya, você tá me ouvindo?
Pisco e me deparo com os grandes olhos castanhos da Uraraka me encarando.
— Desculpe, não prestei atenção. Pode repetir?
— O que você acha da gente sair essa semana para comprar mangás? Queria ver alguns artbooks para tentar melhorar o meu traço — ela enrola a ponta de uma mecha de seu cabelo entre os dedos, parecendo desinteressada, enquanto rabisca com a outra mão em uma folha de caderno.
— Ah, claro, pode ser — respondo, secamente. 
Desde sábado, estou me sentindo aéreo. Como se os eventos e as pessoas não me afetassem da mesma forma e eu só os observasse inerte enquanto eles acontecem. O tempo parece correr mais devagar, quase parando, enquanto a vida continua e me mantenho estático. Não sei o que pensar, sentir ou dizer, apenas existo em meio às outras pessoas, tentando compreender o mundo ao meu redor.
— Você está com dor ou sentindo alguma coisa? Quer remédio?
— Não, eu estou bem. Só refletindo sobre algumas coisas.
— Tem certeza que não quer falar sobre o que quer que você esteja pensando? — ela segura minha mão e me oferece o olhar mais caloroso possível.
Retiro minha mão, e coloco-a no bolso, fingindo procurar algo. Tenho a impressão de que quanto mais perto ela chegar, mais transparente vai ficar o quanto não estou bem. Não quero preocupá-la ou dar um fardo que ela não merece. Porque ela também tem os problemas dela e eu não quero ser mais um.
— Tenho. Pelo menos não agora. Eu só... preciso de tempo para organizar as coisas. Enquanto isso, me mostra os mangás que você está pensando em comprar.
Uraraka força um sorriso e entende minha mensagem não verbal, buscando o celular dentro da mochila e abrindo a galeria de fotos, expondo vários prints de volumes de diversos mangás, como Hunter X Hunter, Spy X Family e Bleach. Ouço-a falar sobre as sinopses e tento parecer minimamente interessado, porque na realidade, eu tenho mil e uma coisas passando pela minha cabeça e o Grimmjow não é uma delas.  Enquanto ela tenta me convencer de que 5200 ienes é um preço justo por um artbook, minha atenção é desviada para um Kaminari chorando de rir. Noto Todoroki ao seu lado, parecendo confuso com o que causou essa reação toda. Nós não nos falamos mais desde a nossa saída para a cafeteria. Sinto que não tenho o direito de ir atrás dele se a nossa discussão foi culpa minha, por não ter me colocado no lugar dele antes de perguntar e por ter acreditado nas palavras dos outros. Ele nota que estou observando e desvio o olhar, envergonhado. Sempre achei difícil fazer contato visual, especialmente com pessoas como ele, que tem essa aura intimidadora. Busco meu celular no bolso e abro nossa conversa, pensando em assuntos aleatórios e desejando que ele comentasse sobre qualquer coisa e que pudéssemos voltar a ser amigos.
A quem eu quero enganar? Claro que ele não faz questão da nossa amizade. Quem iria querer ser amigo de alguém que constantemente irrita-o e o decepciona? Além disso, eu sou um ninguém. Não é como se tivéssemos muitos assuntos ou amigos em comum para sustentar essa relação. Era algo que não teria começado se não tivéssemos feito um trabalho juntos e ele tivesse tido pena do nerd da sala, que só tem dois amigos de verdade.
Os últimos dias deixaram bem claro que eu não sou alguém digno de confiança. Nem ele, nem o Iida, nem a Uraraka precisam de alguém com quem eles não possam contar, alguém que não passa segurança ou mínima utilidade.  Sinto-me um fracasso completo, que não merece as pessoas que ainda investem tempo em mim. Respiro fundo e tento não deixar meus olhos umedecerem demais, porque sinto que não sou capaz de parar as lágrimas se elas vierem. Conto até dez e, ao terminar, meu celular vibra em minha mão e vejo uma mensagem inesperada na tela.
"Oi. Como você está?"
Sinto uma onda fria percorrer o meu corpo, e fico sem reação. Todoroki Shoto me mandou uma mensagem. Não sei se é pegadinha do universo ou muita sorte, mas só resta agradecer a qualquer força misteriosa que o fez falar comigo. Agora resta somente não cometer mais erros e, talvez, tentar ser amigos novamente. Se é que é possível.
Após o professor Aizawa entrar na sala, levantamo-nos e fazemos uma reverência antes de assumirmos nossas posições para iniciar a aula. Os longos minutos de aula sobre fascismo e nazismo finalmente terminam e dão espaço ao intervalo. Organizo minhas coisas e pego o bentô que a minha mãe deixou pronto na mochila e vou até o lugar onde sempre passo os intervalos quando o Iida e a Uraraka tem algo do clube para resolver: o banco atrás do ginásio.
O inverno deixa sua presença evidente pelo uniforme e estudantes usando cachecóis e luvas — eu incluso — além do frio e cerejeiras sem flores. Abro o Spotify na minha playlist "músicas de anime: só as melhores" e ponho no aleatório. Começa a tocar Unravel, abertura de Tokyo Ghoul.

You are my hero - A história de DekuWhere stories live. Discover now