Capítulo 55 - Sentimentos ( Miguel)

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As duas se viraram para mim no mesmo instante, mas com reações diferentes. Enquanto a mulher se limitou a me cumprimentar com um boa noite automático e voltou sua atenção para o túmulo, a garota ao seu lado me fitava com um olhar tenso e arregalado. E fiquei com medo que ela tivesse um treco. Seus olhos logo começaram a sondar os arredores, preocupados, na busca de outras pessoas além de mim, mas eu a tranquilizei:

— Não se preocupe. Só estou eu aqui. — Foi então que me lembrei do meu pai postiço. — Bom, tem meu pai lá atrás, mas não se preocupe. Ele também não vai contar que te viu aqui.

Ela pareceu ficar um pouco mais tranquila.

Mas só um pouco, pois ainda me encarava com os olhos assustados, como se sua alma ainda não tivesse retornado completamente para o corpo após o flagra.

Afinal de contas isso poderia manchar sua reputação de filha desnaturada; uma coisa da qual sua irmã gêmea parecia se orgulhar.

Mas algo me dizia que não era exatamente a mesma coisa com ela. E sua presença ali já era uma prova disso.

Antes que eu dissesse mais alguma coisa, Lola me pegou pela mão e me puxou para mais longe, até uma distância onde poderíamos conversar sem que ninguém nos ouvisse.

— Quem é ela? — perguntei, apontando com o queixo na direção da mulher que permaneceu junto ao túmulo.

— Minha tia — foi a resposta que ouvi. — Ela veio visitar o túmulo e pediu para que eu viesse junto.

— Você não foi para a casa de praia — constatei.

— Não. Eu... fiquei na casa da minha tia — continuou respondendo ela, bem pouco à vontade com minhas perguntas. E enquanto ela torcia para que eu mudasse de assunto, insisti:

— Por que não viajou junto com sua mãe e sua irmã?

— Isso não é da sua conta! — rebateu ela, agora de forma mais ríspida. E após a resposta atravessada, tentou manter um olhar frio na minha direção, mas acabou baixando o rosto momentos depois, ficando em silêncio.

— Por que não deixava ele saber, Lola? — questionei, após sua tentativa fracassada de me intimidar.

— Do que está falando? Saber o quê?

— Que se importava tanto com ele. Ele gostaria muito de saber isso. Faz ideia do quanto isso o deixaria feliz?

— Do que você está falando? Quem disse que eu me importava com ele?

Olhei na direção do túmulo. E depois, nos olhos dela. Nem precisei explicar o óbvio.

— Eu não vim aqui para visitar o túmulo dele! — bradou ela, cada vez mais incomodada com minha presença. — Eu já te falei! Vim acompanhar minha tia! Só isso! Ela era a única da nossa família que se importava com ele.

— Claro, claro. A única. Eesses seus olhos vermelhos é porque caiu um cisco neles, né? —alfinetei.

Houve mais uma tentativa de me intimidar com um olhar mais agressivo, mas ela novamente falhou.

Quanto a mim, baixei totalmente as armas e resolvi tentar romper aquela muralha que ela tentava criar em volta de si.

— Ele te amava muito, Lola — afirmei, com uma voz terna.

Seu rosto se voltou para o túmulo e os olhos se fecharam por um segundo. Em seguida, ela ergueu o queixo, tentando assumir uma postura indiferente, como se nada daquilo importasse.

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