Controle

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Ele a olhava com interesse. Seu olhar parecia vasculhar a cabeça dela, que tinha a impressão de que aquilo não era de todo mentira. Ele vasculhava sua cabeça. Não que estivesse conseguindo, já que junto ao seu olhar de interesse ela via indignação. Ela resolveu quebrar o silêncio. Aquilo já estava a incomodando.

- Vai dizer o que quer ou vai ficar me olhando, tentando ver o que penso?

Ele a olhou com estranhamento.

- Como sabe o que eu estava tentando fazer?
- O que?
- Como sabe que estava tentando ver o que pensava?
- Eu não... Não sei.

Ela se arrependeu no momento em que falou. Agora ele sabia que ela não era tão segura do que dizia. Ou talvez não.

- Por que mente?
- Por que não para de me fazer perguntas que sabe que não irei responder?

Ele bufou e desceu a escada.

- Você me intriga.
- Não vejo porquê.
- Posso te mostrar.
- Então faça.

Ele olhou fixamente para ela. Seus olhos escuros esquadrinhavam o rosto dela.
Mia podia sentir o esforço que ele fazia. Por outro lado, ela não fazia nada para impedir que ele entrasse na mente dela. Mas cada vez que ele tentava parecia mais difícil. Era como se ela tivesse um escudo, que se adequava ao tipo de proteção que ela necessitava. Isso o intrigava e preocupava na mesma medida.
Desistiu.

- O que você é? - Perguntou a ela. - Como resiste a mim tão facilmente?
- Eu gostaria de saber. Porque se soubesse ensinaria a todos como resistir.
- Você não sabe o que diz.
- Sim! Eu sei! É desumano não ter poder sobre as próprias decisões!

Ele diminuiu a distância entre os dois e a pegou pelo braço.

- Desumano?
- Me solte! - Disse ela, puxando o braço para longe dele.

Ele a soltou e se virou, andando alguns passos em direção a escada.

- Venha. Eu tenho algo que quero que veja.

Ela o acompanhou e ele a guiou até um cômodo no andar de cima. Lembrava muito uma sala de cinema, mas tinha uma quantidade muito menor de poltronas e a TV parecia advinda do futuro. Ela nunca havia visto nada igual.

- Sente-se. - Ele falou, se sentando.
- Estou bem.

Ele apenas a olhou. Não tentou exercer controle sobre sua mente. Seria inútil. Mas ela suspirou e se sentou.
Com um gesto de mãos ele fez com que a tela se acendesse. Ela se virou para ele com os olhos arregalados. Ele apenas sorriu.

- Como faz isso?
- Você não acreditaria.
- Não acho que seja difícil de acreditar.
- Olhe para o painel.

Ela fez o que ele disse e uma imagem surgia. Primeiro ela ouviu um grito, e então um choro de bebê, que cessou após um barulho surdo, dando lugar a um grito de desespero. Então a pequena imagem começou a se abrir. Nela, havia uma mãe, com o corpo ensanguentado. Ela notou que era uma mãe, porque trazia nos braços um bebê. Mas ele não tinha vida. Ele havia sido atingido por um tiro e ela gritava em desespero a perda de seu filho. A câmera focalizou nos olhos dela, e então ela começou a ter a visão do que a mãe imaginava. Se uma bala perdida não tivesse acertado seu pequeno bebê, enquanto ela caminhava para levá-lo ao posto de saúde, ele cresceria forte. Aprenderia a andar e depois ganharia uma bicicleta. Seria muito amado. Teria tudo o que ela não pode ter. Aos quinze anos, ele conheceria alguém na escola. Uma garota linda. Então tudo mudaria. O garoto que até então era doce e carinhoso, se tornaria diferente. Trataria a mãe mal e gritaria com ela. A garota o levaria para um lugar obscuro, onde ele conheceria as drogas e o crime. Então ele começaria a roubar. De início, apenas pequenos furtos. Depois passaria a querer coisas maiores e começaria a fazer assaltos. Planejaria com alguns amigos e com aquela garota, uma forma de roubar mais dinheiro. Então, decidiriam que o mercadinho, perto do posto de saúde seria uma boa ideia. Juntos, em uma tarde pouco movimentada eles iriam fazer o serviço. Mas quando chegassem lá, tudo daria errado. O dono estaria armado e trocaria tiros com eles. O garoto e a moça, com armas engatilhadas, seriam atingidos, soltando suas armas no chão, fazendo com que disparassem. Uma bala perdida atingiria a mãe e seu filho. E tudo se iniciaria de novo.

Mia olhou para o homem ao seu lado sem entender muito bem a razão daquilo.

- É tudo um ciclo Mia. O mal está na humanidade e não há como mudar isso.
- Você está enganado.
- Tudo o que se pode fazer, é lhes tirar o livre arbítrio, que o seu Deus lhes deu equivocadamente.
- Deus não se equivoca.
- Será?
- Isso não é algo que eu deseje discutir com você. Na verdade nem sei o que estou fazendo aqui.
- Eu sei.
- Então me diga.
- Você é minha prometida. Aquela que veio para governar comigo.
- Não, eu não sou.
- Ainda que não queira você é.

Ela se levantou e caminhou até a porta. Mas antes de sair o olhou nos olhos.

-Eu jamais permitiria que alguém como você se aproximasse de mim.

Ele não imaginava, mas ouvir aquelas palavras doeu. Doeu mais ainda quando ela abriu a porta e se foi. Mas ela não se veria livre dele. Ela seria dele. Ainda que fosse a última coisa que fizesse. Ainda que aquilo fosse a sua ruína.

Ela correu até a saída, e então se deu conta de que não poderia sair dali sozinha. Não sabia o caminho de volta.
Se virou para votar até o andar de cima e dizer a ele que queria voltar, mas ele já estava ali.

- Eu quero ir embora!
- Sabe que eu posso te manter aqui, não é?
- Sim, eu sei. Já que não pode controlar minha mente como faz com os outros, vai me manter em cárcere privado?
- Eu não disse que iria, eu disse que poderia.
- Pra mim dá no mesmo.
- Fique mais um pouco.
- Não.
- Mia...

Uma ideia surgiu na mente dela.

- Pensando bem, eu fico. Com uma condição.

Ele suspirou.

- Qual?
- Devolva a mente da minha amiga.
- Não posso.
- Então nada feito.
- Peça qualquer outra coisa.
- Você não iria gostar do que eu iria pedir. Ou devolve a mente da minha amiga, ou nada feito.
- Por que entre todas as coisas que pode pedir, me pede isso?
- Porque é extremamente tedioso conversar com um copilado.
- Ela não é um copilado.
- Você não conhece a Lilly.
- Humpf! Fique um semana e quando voltar ela estará como antes.
- Sem a possibilidade de voltar?

Ele colocou a mão no bolso e tirou uma jóia. Era um pequeno anel.

- Coloque isso no dedo dela, e a mente dela não poderá ser controlada.

Ela abriu a mão, mas quando ele ia depositar a jóia ali, o homem que a havia levado de moto apareceu do nada.

- Senhor...
- Saia!
- O senhor me ordenou que te impedisse de fazer uma sandice.

Vicenzo se virou para ele, com um olhar fulminante.

- Saia! - Rosnou e seus olhos se tornaram vermelhos.

O homem se afastou. Ele realmente não sabia porque ele dava aquelas ordens se nunca o permitia cumprir.

Vicenzo colocou a jóia na mão de Mia, que ainda permanecia estendida.

- Uma semana. - Disse ele, fechando a mão dela.
- Uma semana. - Disse ela, sorrindo e colocando-a no bolso.

Ela não imagina o erro terrível que cometia com essa barganha.


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