Capítulo 10 - "Trem fantasma"

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Às cinco e meia, Thomas adentrou o salão de jantar com aquela garrafa nas mãos e começou a dividir a bebida com os demais. Eles apanharam pequenas taças de vidro e degustaram daquele líquido amargo como se fosse o seu último. E talvez fosse. Beber whisky com estranhos depois do fim do mundo parece um bom passatempo para aqueles que já morreram por dentro. É que, por algum motivo, agora não se sentiam mais como as pessoas alegres que dividiram a bebida no primeiro dia de viagem. Eram só restos. Carcaças de uma história que não teria continuação.

Às seis horas, Lucille Leweys era a única passageira que não havia ainda se juntado aos outros. Estava em sua cabine, sozinha, encarando-se no espelho enquanto julgava as próprias mãos sujas e os calos em seus dedos. Apareceram depois que ela e Charles precisaram usar toda a sua força fazendo aquela alavanca demoníaca funcionar, para que o sinalizador fosse lançado.

O movimento que ela fez em seguida foi virar-se de costas. Lucy puxou uma parte do casaco que vestia e conseguiu enxergar suas cicatrizes no espelho. Eram enormes riscos avermelhados que seguiam do topo do seu pescoço até o final de suas costas. Sempre estiveram com ela, mas naquele momento ardiam como nunca.

Ela queria morrer. Constantemente. Quase em todos os momentos de sua vida. E aqueles arranhões costumavam lembrá-la desse desejo.

Sim, ela queria. Queria muito... queria morrer... queria... de repente, a porta do quarto foi aberta.

— Achei que tivéssemos combinado que você nunca mais fosse olhar para elas. — a voz era de Charles. O homem havia entrado na cabine sem que a garota se desse conta.

— Você e Judith concordaram com isso, na verdade. Não eu. — ela respondeu sem encará-lo.

Lucy havia acabado de ajeitar o disfarce de cabelos negros sobre sua cabeça. Embora todos naquele trem já soubessem, agora, quem ela realmente era, algo lhe fazia querer continuar usando aquilo.

— Bem, se isso a conforta de alguma maneira, gosto mais de você quando não está usando isso. — Charles tossiu depois de dar um gole na bebida que tinha em mãos. — Devia juntar-se ao restante de nós no salão de jantar. Estão todos afogando as mágoas. Nós sobrevivemos à noite passada, Lucy. É tudo o que importa.

A garota ficou no quarto por mais um tempo depois que ele saiu.

28 de outubro. Manhã.

Quando caminhou até o salão de jantar, teve uma breve visão do que restou daquela viagem maldita. Seis pessoas. Todos quietos e tomados por revolta, exceto Bethany. As lágrimas dela não paravam de manchar o seu rosto por sequer um segundo.

Lucy se sentou ao lado de Sophie, que fechava o círculo. Alguém entregou a ela uma taça e a menina começou a beber. Não demorou para que se sentisse tão abandonada e impotente quanto os outros cinco.

Cansados de somente observar um ao outro, os sobreviventes passaram a especular sobre o que havia acontecido. Charles e Lucy ficaram sabendo do fato de o cadáver de Elliot — que era Austin — ter sido encontrado mais cedo naquela semana, já que eram os únicos que não receberam essa notícia.

Bethany foi a única a defender o nome de Dominic quando alguém no vagão resolveu sugerir que ele talvez fosse o ajudante de Austin — que era Elliot. Essa hipótese parecia absurda, evidentemente, uma vez que ele foi morto pelo próprio Austin. Só que, por instinto, aqueles viajantes sentiam a necessidade de uma explicação para o fato de que Austin também foi atacado naquela noite.

Trem para Barrymore [CONCLUÍDO]Where stories live. Discover now