Alfredo, 17

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Alfredo nota de imediato quando o rapaz de blusa vermelha e cabelos pretos entra no restaurante. Ele deve ter acabado de tomar banho, já que sua pele ainda está levemente úmida, mas não com aquele aspecto de suor. Alfredo acena, e o rapaz abre um sorriso ao notá-lo.

"Oi!", ele cumprimenta, simpático. "Você é o Roberto?"

Alfredo faz que sim.

"E você é o Cláudio."

O rapaz concorda com a cabeça.

"Senta aí. Já pedi umas batatinhas pra gente", Alfredo diz.

O rosto de Cláudio é bem assimétrico, com o nariz um tanto pra cá e a mandíbula um tanto pra lá; os olhos separados demais, a boca fina em uma linha tensa, a pele pipocando de espinhas.

"Imaginava que eu era muito diferente?", Alfredo questiona.

Cláudio dá uma boa analisada nele, demorando-se no rosto.

"Sim. Você é mais bonito do que eu pensava", responde. "Pessoas que não botam foto no Tinder costumam ser meio...", ele pausa, buscando a palavra certa. "Diferentes."

"Eu só gosto de ser discreto. Sou seguro com a minha aparência. Você faz o quê?"

"Tô terminando engenharia elétrica na UnB, falta só um ano e meio."

"Ah, legal."

"E você?"

"Tô tentando passar em medicina", Alfredo mente.

Papo vai, papo vem, Cláudio fala sobre suas metas, Alfredo diz que pretende ser um ótimo cirurgião plástico. Eles não são compatíveis, o rapaz percebe. Um quer viver no campo, abandonar a civilização por uns anos; Alfredo tem uma ideia diferente de como quer deixar o seu legado.

O garçom vem para retirar os pratos.

"Estão satisfeitos?", pergunta inocentemente.

"Sim—"

"O macarrão estava sem sal e com pouco molho. E a salada estava com muito gosto de anchovas, precisa dizer ao seu chef pra maneirar na hora de fazer o molho caesar", Alfredo interrompe.

Cláudio arregala os olhos, incrédulo. Seu rosto enche de rugas dessa forma.

Constrangido, o garçom apenas assente e põe os pratos vazios em sua bandeja.

Os rapazes caminham em um silêncio desconfortável até a frente do restaurante, e Alfredo fica de olho no que Cláudio está fazendo no celular.

"Não precisa pedir Uber, posso te dar carona", ele oferece. "Ou você pode ir pra minha casa se quiser."

Cláudio não olha para Alfredo, apenas coça a nuca enquanto faz uma careta incontrolável.

"Ah, valeu! Obrigado mesmo, mas acho que prefiro ir pra casa, tenho uns trabalhos pra terminar... Mas obrigado!"

Alfredo revira os olhos, sentindo a raiva crescer em sua garganta.

"Tranquilo", ele diz entredentes.

Quando o Uber de Cláudio chega, o menino mal se despede de Alfredo e entra com certa urgência, soltando um "tchau, prazer!" desajeitado.

Durante o caminho para casa, Alfredo pensa em tudo que pode ter feito errado para Cláudio não gostar dele enquanto ficava muito atento se não tinha um carro policial perto dele, já que não tinha carteira de motorista oficialmente. Não que ele tivesse gostado ou ao menos se importado com o rapaz; aquela pele o causava náusea e a voz fanha o irritava ao máximo.

"Não foi dessa vez", Alfredo comenta com Miguel quando chega de mãos vazias.

Os olhos castanhos de seu companheiro furam sua pele incansavelmente, sem piscar.

"Na próxima eu trago alguém pra você", ele continua. "Não vai nem me perguntar como foi?"

Silêncio.

Alfredo ri.

"Tá bom, então", diz, pegando Miguel no colo.

A mordida forte que ele dá no braço de Alfredo indica a sua fome.

"Calma. Desculpa", o rapaz murmura. "Você sabe que eu preciso ser cuidadoso."

Miguel volta a ficar imóvel.

"Amanhã. Amanhã eu te trago alguém perfeito, você vai ver."

Alfredo põe o corpo pequeno de Miguel no sofá, ajeitando um cobertor por cima dele, e liga a televisão em um canal infantil.

"Daqui a pouco eu deixo você brincar com os bonecos. Primeiro preciso ajeitar algumas coisas."

Ele desce as escadas até o porão e acende a luz fraca que se dá apenas por uma lâmpada velha, carregando um saco plástico cheio de restos de comida que catou nos lixões perto do restaurante antes de ir embora.

Todos os bonecos de Miguel se viram de uma vez para Alfredo, tentando abrir suas bocas costuradas, arrastando-se no concreto em tentativas vãs de pedir misericórdia.

"Shhhhhh", ele pede, nervoso. "Hora do papá."

Alfredo joga o conteúdo do saco ao chão, e os bonecos avançam na comida pútrida vorazmente, deixando escorrer a gororoba por entre os pontos nos lábios.

Ah, Cláudio teria dado um belíssimo boneco, bem cheinho do jeito que Miguel gosta. O rapaz suspira, frustrado, e observa a nojeira acontecer até seu estômago revirar.

"Volto em algumas horas", ele anuncia.

Dezenas de pares de olhos o encaram de volta.

Vão Sentir Minha Falta #4Where stories live. Discover now