A morte precoce de Tânia

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Certo dia, Tânia acordou morta.

Foi até a sala de estar, encontrou seus familiares entristecidos e perguntou-lhes:

"Morri?"

"Morreu", respondeu seu irmão mais velho.

"Ah, foi-se tão jovem...", lamentou a mãe.

Tânia olhou ao redor, confusa.

"E como morri?"

"Acho que engasgou", disse o pai.

"Não, foi parada respiratória", o irmão rebateu.

"Quantas vezes já não lhe disse para deixar o fumo, filha?", a mãe chorou.

"Foi morte súbita", esclareceu a prima.

A jovem resolveu preparar uma tapioca com queijo e peito de peru. Não tinha gosto. Pôs mais sal. Poxa, nadinha.

"Já que morri, que mal faz?", Tânia disse em voz alta, buscando o maço de cigarros no esconderijo de sua mãe, que também fumava.

A nicotina nem fez cócegas.

"Venha, filha, precisamos nos despedir", seu pai chamou. "Vista-se direito, não pode ser enterrada de pijamas."

Ela escolheu um belo vestido preto com babados em renda, sapatilhas da mesma cor, e prendeu o cabelo em um coque calculadamente desarrumado.

"Passa um blush, tá muito pálida", a prima recomendou.

Tânia maquiou-se levemente. Ela não gostava muito de seu rosto pintado.

"Como você é linda, minha filha", sua mãe disse, tocando o rosto frio com lágrimas nos olhos.

"Promete que nunca vai se esquecer de mim?", Tânia choramingou.

"Não posso prometer", a mãe respondeu com sinceridade. "Mas posso me esforçar. Devo ficar com memórias vagas... nada é verdadeiramente esquecido."

"É que ainda vamos viver muitos anos, minha linda", o pai se intrometeu. "Quatorze anos é novinha demais. Ainda vamos ver seu irmão ir para a faculdade, casar, ter filhos... só depois disso tudo que morreremos. É o curso natural da vida. Você foi exceção, claro. Nenhum pai espera que vá enterrar a própria filha."

"Você nem tinha tantos amigos assim, também", a prima disse. "Vamos sentir sua falta por um tempo e tudo mais. Só que não tem nada muito memorável sobre a sua existência."

"Quem mandou se isolar no quarto o dia todo!", o irmão reclamou. "Poderíamos ter virado amigos de verdade, sabe? Mas você é bicho do mato."

"Era. Era bicho do mato", o pai corrigiu. "Agora virou anjo no céu."

A prima riu.

"Se é que ela vai para o céu."

"Quatorze anos e já fumava, bebia, transava... Desculpa dizer, meu amor, mas você era um caso perdido."

Tânia deu de ombros. Ela não se importava muito com a família de qualquer jeito, só era mais apegada à mãe.

"Tá bom. Então, tchau", ela disse por fim.

A família caminhou junta até o cemitério — não era tão longe. A cova era rasa, parecia improvisada. Devia ter a ver com a pouca idade, ela imaginou. Nem havia caixão, Tânia se deitou na terra recém cavucada, arrumando o vestido para não deixar as pernas tão de fora.

Havia dois mortos ali, mas ela jamais contaria aos pais. O menino bobalhão que a emprenhou nem deu as caras. Típico comportamento da imaturidade masculina.

A mãe jogou a primeira mão de terra, depois o pai, o irmão, e a prima terminou o serviço.

"Tá bem confortável?", Tânia ouviu a voz do irmão perguntar.

"Vou sufocar lentamente. Vai ser rápido", ela respondeu, cuspindo o barro com gosto de açaí sem açúcar.

"Adeus", disse a mãe chorosa.

Adeus, Tânia pensou.

Ufa.

Vão Sentir Minha Falta #4Where stories live. Discover now