Quatro

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Nunca estamos preparados para uma notícia ruim, não importa quando ou como, achamos que nunca será com a gente. Uma pessoa morre num acidente de carro, outra tem uma parada cardíaca e há quem perde a vida de repente, por estar no lugar e na hora errada.

O último caso aconteceu com o pai de Natasha, minha até então divertida e espontânea colega de classe. Ele morreu no fim de semana quando, ao pagar as contas na lotérica perto de sua casa, entrou numa rua em que ocorria um assalto. O assaltante lhe tirou a vida sem pensar em mais nada. Por isso, agora há uma mulher que irá gritar sua dor por anos, uma filha que não terá mais a proteção paterna e amigos que não terão mais uma boa companhia. Só que nada disso importou na hora, apenas o apertar do gatilho.

Não sabemos lidar com a tristeza dos outros. Quem sabe o que fazer para consolar um coração estilhaçado? Poderia chegar em Natasha e lhe dar um abraço, dizendo que sinto muito, como todos fazem, mas isso não ajudaria em nada, nem diminuiria dor alguma. Por isso fico a observando de longe por alguns dias. Enquanto é o foco da atenção, é consolada por um tempo. Só que logo a sensação de enterro passa para os demais e o sofrimento sobra para quem realmente perdeu seu chão.

Eu a encontro chorando no chão do banheiro feminino.

Assim que me vê, tenta esconder o choro, mas seus soluços são audíveis até para quem passa do lado de fora. Ficamos olhando uma para outra por alguns segundos, sem saber muito o que fazer. Nunca troquei mais do que cumprimentos com a menina à minha frente, mas a enxergando assim tão frágil e perdida, não há como não me enxergar nela. Dois anos atrás era eu quem corria para trás da arquibancada, a fim de chorar baixinho, desejando que ninguém notasse minha fraqueza.

Então, bem devagar, me aproximo dela e a convido para um abraço. Por um instante, ela hesita, mas logo suas lágrimas engrossam e me retribui com força, como se dependesse disso para sobreviver. Ficamos abraçadas por um bom tempo, até seu furioso choro se transformar em fungadas. Seu nariz escorre, seus olhos estão inchados e há muito rímel borrado, mas tudo que consigo enxergar é uma menina que assim como eu, irá amadurecer anos em dias.

Ela se coloca de pé para lavar o rosto, e eu a espero, segurando sua mochila.

— Obrigada — diz quando a entrego seu pertence.

— De nada — tomo a liberdade de passar o polegar no canto de seus olhos, limpando o restante do borrado que as lágrimas deixaram. Ela sorri fraco.

— Está atrasada para a aula por minha culpa.

— Estou perdendo química, enxergo isso como um ato nobre de sua parte — brinco, conseguindo arrancar mais um sorriso dela. Quando a vejo começar a murchar outra vez, eu seguro suas mãos e digo com calma: — Olha, não vou te dizer que o tempo vai curar tudo, porque é uma mentira deslavada, mas você vai aprender a conviver com a dor.

— Não vou — soluça.

— Vai, sim! Claro que vai. Nós ficamos mais fortes, sabe? É involuntário. A saudade se transforma em lembrança — sem quebrar nosso olhar, eu continuo com os conselhos que eu mesma deveria seguir com mais frequência: — Se lembre com carinho dele, não foque no dia em que o perdeu, mas sim nos em que ele esteve aqui. Seu pai está descansando, pensar desse jeito deixa tudo menos doloroso.

— Não sei se eu consigo, Olívia. Dói demais. As pessoas pedem para eu parar de chorar, mas não quero.

— Elas não sabem o que pedem. Tem todo o direito de chorar. Chore o quanto quiser!

Ela assente. Lágrimas gordas rolando pelo rosto.

— É tão terrível. Não desejo isso a ninguém.

Entre Espinhos (DEGUSTAÇÃO)Where stories live. Discover now