Nunca estamos preparados para uma notícia ruim, não importa quando ou como, achamos que nunca será com a gente. Uma pessoa morre num acidente de carro, outra tem uma parada cardíaca e há quem perde a vida de repente, por estar no lugar e na hora errada.
O último caso aconteceu com o pai de Natasha, minha até então divertida e espontânea colega de classe. Ele morreu no fim de semana quando, ao pagar as contas na lotérica perto de sua casa, entrou numa rua em que ocorria um assalto. O assaltante lhe tirou a vida sem pensar em mais nada. Por isso, agora há uma mulher que irá gritar sua dor por anos, uma filha que não terá mais a proteção paterna e amigos que não terão mais uma boa companhia. Só que nada disso importou na hora, apenas o apertar do gatilho.
Não sabemos lidar com a tristeza dos outros. Quem sabe o que fazer para consolar um coração estilhaçado? Poderia chegar em Natasha e lhe dar um abraço, dizendo que sinto muito, como todos fazem, mas isso não ajudaria em nada, nem diminuiria dor alguma. Por isso fico a observando de longe por alguns dias. Enquanto é o foco da atenção, é consolada por um tempo. Só que logo a sensação de enterro passa para os demais e o sofrimento sobra para quem realmente perdeu seu chão.
Eu a encontro chorando no chão do banheiro feminino.
Assim que me vê, tenta esconder o choro, mas seus soluços são audíveis até para quem passa do lado de fora. Ficamos olhando uma para outra por alguns segundos, sem saber muito o que fazer. Nunca troquei mais do que cumprimentos com a menina à minha frente, mas a enxergando assim tão frágil e perdida, não há como não me enxergar nela. Dois anos atrás era eu quem corria para trás da arquibancada, a fim de chorar baixinho, desejando que ninguém notasse minha fraqueza.
Então, bem devagar, me aproximo dela e a convido para um abraço. Por um instante, ela hesita, mas logo suas lágrimas engrossam e me retribui com força, como se dependesse disso para sobreviver. Ficamos abraçadas por um bom tempo, até seu furioso choro se transformar em fungadas. Seu nariz escorre, seus olhos estão inchados e há muito rímel borrado, mas tudo que consigo enxergar é uma menina que assim como eu, irá amadurecer anos em dias.
Ela se coloca de pé para lavar o rosto, e eu a espero, segurando sua mochila.
— Obrigada — diz quando a entrego seu pertence.
— De nada — tomo a liberdade de passar o polegar no canto de seus olhos, limpando o restante do borrado que as lágrimas deixaram. Ela sorri fraco.
— Está atrasada para a aula por minha culpa.
— Estou perdendo química, enxergo isso como um ato nobre de sua parte — brinco, conseguindo arrancar mais um sorriso dela. Quando a vejo começar a murchar outra vez, eu seguro suas mãos e digo com calma: — Olha, não vou te dizer que o tempo vai curar tudo, porque é uma mentira deslavada, mas você vai aprender a conviver com a dor.
— Não vou — soluça.
— Vai, sim! Claro que vai. Nós ficamos mais fortes, sabe? É involuntário. A saudade se transforma em lembrança — sem quebrar nosso olhar, eu continuo com os conselhos que eu mesma deveria seguir com mais frequência: — Se lembre com carinho dele, não foque no dia em que o perdeu, mas sim nos em que ele esteve aqui. Seu pai está descansando, pensar desse jeito deixa tudo menos doloroso.
— Não sei se eu consigo, Olívia. Dói demais. As pessoas pedem para eu parar de chorar, mas não quero.
— Elas não sabem o que pedem. Tem todo o direito de chorar. Chore o quanto quiser!
Ela assente. Lágrimas gordas rolando pelo rosto.
— É tão terrível. Não desejo isso a ninguém.
![](https://img.wattpad.com/cover/312352077-288-k985616.jpg)
YOU ARE READING
Entre Espinhos (DEGUSTAÇÃO)
RomanceAos 17 anos, Olívia Moroni está longe de se identificar com a animação dos colegas de turma. Ela não é a mesma desde que perdeu a mãe, há dois anos. Presa ao luto, a menina sequer se dá conta da vida lhe escapando por entre os dedos, até que um impr...