Capítulo 6

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— Pelo jeito a chefinha é bem chatinha! Deixa o cara em paz Larissa! — Apollo permaneceu sério — Até mais, cara! Muito bom te conhecer e pensa no que falei!
Ele apenas concordou com a cabeça e se retirou, os amigos caminharam até a lanchonete que fica dentro do mercado.
— O que você falou pra ele?
— Convidei para tocar na nossa banda, ele é um cara legal!
— Ué? Achei que ele fosse velho demais!
— Ele é legal!
Os dois se sentaram e pediram um suco.
— Não sabia que ia se dar tão bem no cargo, mas pelo que vi, você gosta mesmo de ser mandona.
— Eu não sou não! Só fiz uma brincadeira.
— Não foi o que pareceu. Mas me conta, está gostando?
— O que você acha? Pareço feliz?
— Calma, foi uma simples pergunta!
— Pois bem, eu não estou gostando. Perdi minha liberdade e agora estão implicando comigo.
— Quem está implicando?
— Meu pai e meu irmão.
— Por que? O que estão fazendo?
— Deixa pra lá. 
A garota estava pensativa. Raúl interrompeu seus devaneios.
— O que está pensando? Parece tão distante.
— Preciso te contar antes que me esqueça, meu pai cortou minha mesada e todos os meus benefícios. Disse que terei que pagar minhas contas com o salário que ganho aqui.
— Nossa! Ele pegou pesado! O salário pelo menos é bom?
— Claro que não! Vou ter que cortar várias coisas para sobreviver e uma delas é o estúdio, não vou conseguir ajudar vocês.
— Eita, Larissa! Sua parte é essencial, não vamos conseguir assumir sozinhos, os pais do Matheus também começaram a pegar no pé dele, logo vão fazer o mesmo que o seu pai.
— É, pelo jeito você tem sorte de ter os pais que tem.
O garoto a olhou com olhar reprovador.
— Sorte? Meus pais nunca estão em casa, acho que nem me lembro como é viver em uma família, a verdade é que eles pouco se importam comigo, só querem trabalhar para ganhar mais e mais dinheiro.
— É...mas eles não ficam no seu pé.
— Eu pagaria tudo para tê-los no meu pé, Larissa! Inclusive trabalharia de graça.
— Desculpe! Não queria ter falado isso, sei o quanto você sofre com a ausência deles.
— Não esquenta! Precisamos ver um novo lugar para os ensaios.
— Precisa ser espaçoso, para caber nossos equipamentos e a bateria, com uma boa acústica, por isso deve ser fechado. Ah! E de graça!
O garoto riu.
— Com todas essas características e de graça? Só se fosse um lugar abandonado.
— Boa ideia! Meu pai tem um galpão, era o antigo depósito do supermercado, mas depois da expansão, ele não utiliza mais, está completamente abandonado.
— Você tá viajando! Eu não vou ensaiar num lugar abandonado!
— Por que? Está com medinho é?
— Cara, esses lugares são sinistros, eu não entro em lugar assim, esquece!
— Tem sugestão melhor?
— Não, mas nesse lugar eu não vou!
— Pô, Raul! Essa é a única chance que temos de vencer o concurso, sem ensaio não vamos chegar a lugar nenhum!
— Tá bom! Tá bom! Mas com uma condição.
— Qual?
— Você que vai ter convencer o Matheus a pedir para o pai dele o girador, vamos precisar de energia e esse será o único jeito de ligar os instrumentos e ter iluminação. A segunda condição é que não vamos passar das 22h.
— É alguma superstição?
— Não! É só prudência mesmo! Se um crime for acontecer, acredito que seria depois das 22h e sei lá, deve ser nesse horário que...deixa pra lá.
— Que o quê? Vai dizer que tem medo de fantasmas?
— Não acredito em fantasmas! Acho que é o coisa ruim que gosta de assustar as pessoas ou procurar uma brecha.
— Credo! Você anda assistindo muito filme!
— Que nada! Sou um cara atento, só isso! E minha mãe já leu muita a bíblia pra gente, sei bem dessas coisas!
— Sei...— ironizou.
— É a minha condição!
— Fechado! Eu aceito! Só que você e o Matheus vão ter que passar lá para dar uma olhada antes, eu não vou conseguir ir agora, não sei como está o estado do lugar, então é melhor fazer isso de dia.
— Vou falar com o Matheus para irmos lá amanhã, hoje nem rola, tenho outros planos.
— Quais são eles?
— Depois eu te conto.
— Tem a ver com meninas, né?
O garoto sorriu
— Já disse que outra hora te conto.
Ela se lembrou da conversa em que o pai e o irmão falaram de suas roupas e sua maneira de vestir, olhou para o amigo e notou que o estilo dos dois era bem parecido.
— Talvez eu não seja tão original! — Deixou o pensamento sair.
— Do que você está falando?
— Você acha que me visto mal?
— Como assim? Que conversa é essa agora?
— Minhas roupas, elas afastam as pessoas?
O garoto deu uma olhada geral e parou o olhar na camiseta, onde a estampa, tinha o Mickey mostrando a língua.
— É, digamos que eu ficaria um pouco receoso com essa afronta do Mickey.
O amigo riu.
— Tô falando sério! Você me acha estranha?
— Essa conversa não vai dar certo!
— Me responde!
— Para uma garota?
— Claro, né!
— Ah, você sabe, não é muito comum ver garotas vestidas assim. Mas sei lá, você é livre para ter o estilo que quiser...
— Meu pai disse que quer que eu venha trabalhar de calça jeans, mas eu não tenho nenhuma, e não vou gastar meu salário com uma calça para trabalhar.
— Então escolha uma menos colorida e com menos bolsos, talvez ele aceite. Ah! E o Mickey também não passa uma boa impressão!
— Por causa da língua?
— Principalmente!
— Não vou me adaptar a essa vida!
A lanchonete estava lotada e muitos clientes aguardavam lugar para sentar.
— Acho que meu horário de café já passou.
— Você deve ser a única funcionária que tem quase uma hora de horário de café.
— Eu não tenho esse tempo não, meu pai vai descontar do meu salário se souber.
Eles se levantaram e Larissa seguiu o garoto até a entrada do mercado.
— Que horas você sai?
— Às 18h.
— Vamos andar de skate depois que sair?
— Fechou! Onde encontro vocês?
— Na pista de sempre!
— Chego lá por volta das 19h, vou ver se meu pai me deixa ficar mais tempo hoje, preciso descarregar a adrenalina que ficou contida.
— Te vejo lá!
— Beleza!
Os dois fizeram mais um toque de mão de despedida.
A garota observou mais uma vez Apollo, que continuava parado na mesma posição, os olhos dele estavam atentos e acompanhava cada movimento dos clientes. Era notório como o rapaz chamava a atenção, principalmente das mulheres, a maioria delas passavam por ele sorridentes — ele permanecia sério. Ela continuou distante, ele não a notou. 
— Está parada quanto tempo aí?
A garota teve um sobressalto.
— Tá maluco, Luan? Quer me matar?
— O papai tá te procurando, disse que vai descontar seu horário de café.
— Essa não!
Ela correu em direção ao escritório, entretanto não viu a caixa com os recipientes de azeitonas que estavam sendo reabastecido nas prateleiras, no chão, ela tropeçou e com o impacto, a caixa virou fazendo os potes rolaram pelo corredor do mercado. Na tentativa de se segurar para não cair, Larissa puxou o funcionário que recolocava os vasilhames na prateleira e um deles, que era de vidro, escapou de sua mão, ela caiu e levou o funcionário junto. O irmão vinha logo atrás e acompanhou toda a cena, mesmo não contendo o riso, correu para ajudá-los.
— Desculpa! Desculpa!
Falou para o menino que não estava nada contente ao seu lado.
Luan estendeu a mão para ajudá-la levantar e em seguida, olhos curiosos, de clientes e funcionários, estavam sobre eles.
— Que prejuízo! Antes tivesse aceitado perder uns minutinhos no salário do que ter que pagar por esse estrago todo que você fez.
— Fica quieto, Luan!
Larissa levantou e deu uma olhada na bagunça que causou, o garoto estava coberto de azeitonas, mas eram suas mãos que sangravam.
— Deixa eu ver isso! — O irmão puxou sua mão.
— Foi só um corte — ela tentou puxar de volta.
— Foram vários! Você deve ter se apoiado sobre os cacos. — Luan olhou para as mãos do funcionário e não viu nenhum corte — você também se machucou?
— Não, eu caí por cima dela, sinto muito Larissa!
— A culpa foi minha!
Uma das funcionárias que estava por ali, chamou a equipe de limpeza. As pessoas começaram a voltar para suas funções e os clientes para as compras.
— Vamos, precisamos ver esses cortes. Isso deve estar doendo muito!
— Não conte para o papai, ele vai ficar muito bravo, não vou suportar ter que deixar de tocar ou andar de skate!
— Não é comigo que você tem que se preocupar, são com as câmeras de segurança, ele deve ter visto tudo por elas. E tem mais, os funcionários já devem ter contado, logo ele estará aqui dando aquele sermão.
Luan levou a irmã até uma salinha que os funcionários usavam para descansar e ajudou Larissa lavar e limpar os ferimentos. Alguns minutos depois, Otávio entrou preocupado com a filha.
— O que aconteceu? Soube que você se feriu?
O pai pegou as mãos da garota e viu o corte fundo em uma delas.
— Isso aqui vai precisar de pontos.
— Eu não vou ser costurada, ainda mais na mão!
— Vai sim, senhora! Como conseguiu fazer isso, minha filha? Olha o tamanho desse corte!
— Ela estava com medo de você descontar o atraso do horário de café do salário dela e não viu a caixa de potes de azeitonas no chão.
— Meu senhor amado! Não sei mais o que fazer com você, Larissa!
— Você vai mesmo descontar tudo isso do meu salário, pai?
— Depois falamos sobre isso.
— O funcionário que ela quase matou está bem? Vi que ele não tinha ferimentos aparente, mas não tive muito tempo para falar com ele, a mão da Larissa estava jorrando sangue. Coitado do Mickey, agora ficou ainda mais assustador!
— Agora não é hora de brincadeira, Luan. Eu falei com ele, o garoto está bem.
— Que bom!
— Tenho uma reunião com um fornecedor daqui a pouco, preciso que leve sua irmã o mais rápido para o hospital. Ela vai precisar de pontos!
— Já disse que não vou!
— Eu posso até levar, mas se demorar lá no hospital, não vou poder ficar. Tenho prova na faculdade e preciso estudar, são quatro horas, combinei com o senhor que sairia mais cedo hoje.
— Vou desmarcar com o fornecedor e te levo.
— Não precisa, eu chamo um Uber.
— Peça para um dos rapazes da segurança levar. Eles já fizeram isso algumas vezes para mim quando algum funcionário fica doente.
— Capaz, de jeito nenhum!
— Pode deixar, pai.
O irmão saiu da sala e Larissa se desesperou.
— Eu não quero ser costurada e muito menos ter um cara desconhecido para me acompanhar no hospital, é muito vergonhoso!
— É o que posso fazer no momento, a Carla da Administração vai precisar acompanhar a reunião comigo e o pessoal do RH já foi embora. O único setor que consigo remanejar os funcionários sem tanto prejuízo é os da segurança.
— É... Vamos torcer para que ninguém tenha planejado um assalto hoje.
— Não comece com suas brincadeirinhas, Larissa! Estou sem paciência!
Luan entrou com Apollo na sala e Otávio explicou para o rapaz o ocorrido.
— Você faria esse favor para mim, Apollo? Sei que foge de suas obrigações, mas é urgente!
— Sem dúvidas! Pode contar comigo. Posso usar o carro do mercado? Porque estou de moto e deve ser difícil para ela se segurar com as mãos desse jeito.
— Ah sim! Com toda certeza!
***
Ele andava na frente e Larissa vinha logo atrás, os passos do rapaz eram logos e ela teve dificuldades em acompanhá-lo. Estava com vergonha da situação e era visível que o rapaz não se sentia nenhum pouco confortável.
— Você disse que tem uma moto, qual modelo?
Falou quase gritando para que ele pudesse ouvi-la. Ele olhou para trás desinteressado e respondeu de forma seca.
— E você entende sobre isso?
— Não, mas posso me interessar.
— Uma XJ6.
— Não faço ideia de qual seja.
Ele diminuiu os passos.
— Foi o que imaginei.
— Por que aceitou me levar se parece tão descontente com a tarefa?
— Porque trabalho para o seu pai.
— Podia ter negado, não faz parte de sua função!
— Seu pai já fez muitas coisas por mim que nenhum patrão faria, por isso devo muito a ele.
Eles entraram no carro e seguiram para o hospital em silêncio.
Larissa entregou seus documentos para a recepcionista e sentou em uma das cadeiras enquanto aguardava. Apollo continuava em pé, encostado na parede, tão indiferente que nada parecia o abalar.

 Apollo continuava em pé, encostado na parede, tão indiferente que nada parecia o abalar

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