𝐂𝐚𝐩í𝐭𝐮𝐥𝐨 𝟒: 𝐀𝐜𝐞𝐫𝐭𝐨 𝐝𝐞 𝐂𝐨𝐧𝐭𝐚𝐬

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O calor na minha pele.

Era familiar, familiar de uma maneira que me fazia perder o fôlego, que fazia minha voz sumir, que fazia eu me perder em mim mesma.

Ele vinha de fora e também de dentro de mim.

Intenso, insano, como um sol. Sim, um sol. Eu me lembrava disso.

Uma colina infinda, o verde da vegetação era o mais verde que existia, e ela se estendia diante de mim, brilhando com os raios de sol. Intenso, insano.

Eu me ajoelhei, tocando e sentindo o roçar da grama nas minhas mãos miúdas e ossudas. Fechei os olhos e puxei o ar. O cheiro era de primavera. Uma primavera imortal.

Então ouvi, uma voz suave em um sussurro. Uma voz que parecia vir de dentro de mim. Chamando.

Abri meus olhos azuis metálicos subitamente, me pondo ereta novamente e seguindo aquele sussurro e o cheiro de primavera. Eles me levavam além da colina, muito além.

O leve zumbido de uma borboleta voando ao meu lado em busca de alguma flor, suas cores eram vivas, gotas d'água cintilavam como mil cristais encrustados em suas asas quando ela pousara em meu ombro.

Com um sorriso de paz em meus lábios, ouvi novamente o sussurro profundo do meu nome vindo agora do lugar em meu peito onde ficava meu coração. O cheiro da primavera era inebriante àquela altura. Então estendi meu dedo indicador, fazendo um poleiro para a borboleta.

Os olhos dela brilhavam, as gotas em suas asas finas e azuladas tal qual eram meus olhos pareciam se mexer e começar a se converter em alguma outra coisa.

Alguma coisa também familiar, que fizera meu corpo arder em chamas: A coroa em formato de lótus.

Então senti o solo aos meus pés se mover, a terra parecia se desfazer e quando olhei para baixo vi, incrédula, meu corpo lentamente se afundando no que parecia uma poça profunda de água.

Em desespero, soltei a coroa, que afundou no fundo infinito abaixo de mim, um fundo vazio e negro para onde eu inevitavelmente estava sendo sugada também.

— Não! — gritei, em desespero, olhando em volta em busca de alguém, qualquer coisa que poderia me salvar de ser engolida pela escuridão do riacho que agora se formava embaixo de mim — Não! — disse mais uma vez, minha visão se tornando turva conforme a água avançava.

Não... — ouvi, pela última vez o sussurro abafado da minha voz, em uníssono com aquele intrigante chamado, que repetia meu nome. E, lentamente, a luz voltara a preencher minha visão.

Senti meu corpo estirado de bruços em algo muito macio. Minha cama. O molhado que sentia gelado em minha pele vinha do meu próprio corpo, eu havia suado como um salgueiro-chorão durante meus pesadelos noturnos e algo duro e pontudo tocava incisivamente minhas omoplatas.

Lentamente como só uma pessoa recém-acordada de uma noite turbulenta pode se mover, flexionei o corpo de maneira à poder virar-me para ver o que me tocava quando senti o toque cessar e ouvi um suspiro abafado de susto seguido de um estrondo de algo colidindo com a mesa ao lado onde, ontem à noite, Rowena preparava suas misturas analgésicas.

Franzi o cenho para o barulho, ainda na minha missão de me despertar por completo e me virar para ver o que diabos estava acontecendo quando um pigarro tão sutil que quase parecera um devaneio viera do lugar onde o estrondo acontecera — Bom dia, raio-de-sol! — uma voz irônica respondeu em seguida, e ouvi seus passos se afastando para abrir as grandes portas envidraçadas da sacada.

Agora já tendo conseguido me pôr sentada na cama, via uma camareira rabugenta, de cabelos escuros e jeito incomumente franzino para alguém tão novo quanto aparentava, perambulando pelo cômodo apressadamente repondo as flores dos vasos, trocando os lençóis das camas, sempre com a mesma carranca profunda na feição.

𝐀 𝐒𝐨𝐦𝐛𝐫𝐚 𝐀𝐥é𝐦 𝐝𝐨 𝐕é𝐮Where stories live. Discover now