𝐏𝐫ó𝐥𝐨𝐠𝐨: 𝐀 𝐅𝐥𝐨𝐫 - 𝐏𝐚𝐫𝐭𝐞 𝐈

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Frio...

Tão frio...

Frio como a mais fria noite de inverno...

Frio ao ponto de queimar meus ossos...

Frio...

Era tudo que me recordava...

Minha cabeça latejava... Uma protuberância bem notável era possível de ser sentida em minha nuca... Embaixo de mim, um chão frio, úmido de madeira lascada.

Meus olhos estavam até agora fechados com força ao ponto de eu sentir a dor incômoda ao a abri-los lentamente, sentindo uma luz suave invadir minha visão, uma luz distante; tossi.

Pisquei algumas vezes até habituar minha visão, as coisas se reorganizando e tomando forma lentamente, me fazendo ver o interior decrépito e mal cuidado do que me parecia uma carroceria vagabunda, quando um solavanco intenso jogou meu corpo para o ar, fazendo subitamente meu fôlego falhar.

O trotar de um cavalo. À todo vapor. Estávamos na estrada.

Me ergui nos cotovelos debilmente, a luz que antes havia visto se esgueirava por uma janela minúscula, entrecortada por grades de metal espessas. Ela sumia cada vez mais conforme o veículo se afastava na penumbra.

Um arrepio saltou por minha pele, pisquei mais algumas vezes, minha cabeça zunia, estava tonta e perdida.

Meu estômago embrulhou e quando pensei que iria vomitar, a carroça diminuiu a velocidade. Gradativamente, cada vez mais, até enfim, cessar.

Suspirei fundo.

A carroceria novamente dera outro solavanco forte quando o cocheiro descera da mesma, andando ao que me parecera a direção traseira do veículo. Arqueei o corpo em um soluço esganiçado, afim de ouvir melhor; vozes grossas irrompiam do lado direito da carroceria.

- Essa garota vai valer uma verdadeira fortuna no mercado negro! As peles e os ossos intactos! Recheados com a magia dos membros da Corte Reluzente ardendo nas veias! Ela é uma peça rara! - a voz era rouca, gasta e esganiçada, cansada como se a dona da mesma não tivesse parado de falar por uma noite inteira.

Me esgueirei lentamente para o mais próximo da porta, os sons eram abafados e uma luz incomum dançou psicodelicamente no teto da carroceria, provinda lá de fora. Um tom arroxeado, misturado à um intenso verde esmeralda, se complementando e se casando com uma natureza distinta entre si, jamais imaginei que tais cores poderiam fazer tão belo par daquela maneira.

Escorei-me levemente na madeira da porta, grossa e áspera, tentando me erguer na mesma da maneira mais silenciosa e furtiva que conseguia, o meu fôlego entrecortado me atrapalhando nessa tarefa, quando outra voz grossa, com o mesmo aspecto gasto e rouco da outra, falara outra vez. - Tiramos a sorte grande, ninguém nunca conseguiu trazer um seelie vivo e intacto, isso deve valer alguma coisa. - ele parecia bem menos entusiasmado do que o companheiro, de alguma forma.

Ergui-me mais um pouco, o suficiente para ver a cabeçorra redonda e esverdeada-escura de um deles; um troll.

Um suspiro de espanto escapou desavisado pelos meus lábios quando eu vi lentamente a mesma cabeçorra se virar na direção da janela da carroceria por onde eu espiava, me atirando de encontro ao piso rápida e esguiamente, me mantendo abaixada com o coração na mão enquanto ouvia o mais sério perguntar - O que houve? Algum problema?

Um silêncio assustador irrompeu de repente e eu prendi a respiração, meus olhos atentos à janela enquanto me encolhia em uma súplica pra não ser vista.

- Hm... Nada, é que eu pensei ter visto... ...enfim, aquela flor que Maeve deu para a seelie ainda parece estar fazendo efeito, ela dorme como um bebê!

Um suspiro aliviado escapou silenciosamente dos meus lábios enquanto minha cabeça tombava na madeira dura e fria do piso da carroceria. A voz grossa do outro rapaz irrompeu - Vamos, temos que partir antes que o feitiço das carruagens terminem, você sabe o que o Rei faz com quem é pego contrabandeando coisas da outra parte.

O Rei. Meu coração acelera em meu peito subitamente com aquela pequena palavra atravessando meus pensamentos, o ar escapando dos meus lábios em um suspiro longo.

Mas eu pensei que era hora do almoço! - O entusiasmado respondeu.

A hora do almoço do almoço foi há meia hora atrás, você está acabando com nosso estoque de comida! - O grandão retrucou, enquanto ouvia seus passos afastarem-se mais para a direita.

- Mas... - Novamente o entusiasmado retrucou, mas logo o silêncio irrompeu novamente e, poucos segundos depois pude ouvir os passos lentos do troll em direção à frente da carroceria - Grande coisa o rei! Ninguém nunca leva ele à sério! - murmurou, de maneira descontente e emburrada, como uma criança mimada, subindo na coxia e fazendo novamente a carroceria sacolejar com seu peso.

O Rei - pensei novamente, em um silêncio perturbadoramente cômodo, enquanto as patas dos cavalos batiam no chão lamacento e nos movíamos outra vez.

𝐀 𝐒𝐨𝐦𝐛𝐫𝐚 𝐀𝐥é𝐦 𝐝𝐨 𝐕é𝐮Where stories live. Discover now