Seu sorriso me confortou o suficiente para que eu deitasse a cabeça em sua clavícula.

— Eu sei. Mas tenho medo.

— Você? Com medo? — Ela riu. — Oleandra, você sabe o porquê de eu ter escolhido esse nome para você? — Esbocei um "hm-hm". — É o nome de sua bisavó, Oleandra Hopia, que lutou na Batalha das Fronteiras.

— Você nunca me disse isso. — Acusei.

— Eu estava esperando um momento especial. — Aeg começou a enrolar uma mecha de meu cabelo em seus dedos. — Oleandra, sua bisavó, era uma das melhores guerreiras do reino Fúngi, e braço direito do rei. Foi por conta dela, inclusive, que meus pais conseguiram me aproximar da família real, e eu conheci seu pai.

Assenti, levemente surpresa. Os dois se separaram dois anos antes de Primavera nascer, e, desde então, minha mãe nunca havia sequer mencionado o nome de meu pai em uma conversa. Não sabia como se conheceram, ou como se separaram, e nunca tive a coragem de perguntar.

— Ela se sacrificaria voluntariamente pelo nosso reino, e foi o que aconteceu. Um soldado do reino Mammalia, tão grande e monstruoso, decidiu que seria uma boa ideia matá-la e devorá-la depois. Você consegue imaginar o que ocorreu em seguida?

— Ele morreu.

Minha mãe assentiu com a cabeça.

— Morreu intoxicado. E por isso fiquei tão feliz quando você, minha pequena Oleandra, nasceu de nossa espécie. Somos uma linhagem tão, tão forte. Até nossa carne e sangue são armas! — Ela apertou minha bochecha. — E, se existe uma família capaz de contornar todos os obstáculos do destino, é a nossa.

Inclinei a cabeça em entendimento. Eu poderia, naquele momento, fazer a difícil pergunta: "por que me abandonou?". No entanto, a coragem se dissolveu em meu peito antes mesmo da frase subir para a minha garganta.

— Oleandro é uma planta venenosa. — Mencionei.

— É?

— Mhm. E produz uma das flores mais lindas.

O sorriso de minha mãe se alargou de orelha a orelha.

— Escolhi o nome perfeito para a minha garota-veneno, então.

O rei Bekko estava bravo comigo novamente

Oops! This image does not follow our content guidelines. To continue publishing, please remove it or upload a different image.

O rei Bekko estava bravo comigo novamente.

Quando eu e Primavera retornamos, os criados já nos haviam procurado pelos quatro cantos do palácio. Assim que notaram o sumiço de dois sapos-cogumelo nos estábulos, a conclusão óbvia de meu pai foi que eu havia fugido novamente.

E isso não seria um problema, se Primavera não estivesse envolvida.

— Você perdeu a cabeça, Oleandra? — Gritou ele, seu rosto branco ficando vermelho conforme as palavras transbordavam de sua boca. O criado que me levou até ele fechou a porta atrás de nós. — Como pôde colocar a vida de sua irmã em risco desta forma? E se alguém as reconhecesse por aí, e decidisse sequestrá-la?

— Ninguém nos reconheceria, pai. — Cruzei os braços. — Nossos rostos não são tão conhecidos quanto o rosto de Teodas.

Teodas quase nunca conseguia sair em anonimato, uma vez que boa parte de seus trabalhos eram voltados ao bem-estar da população. Quando estava frio, saía para entregar cobertas e sopa, e, quando o rei tinha algo importante a dizer, era o príncipe que ele enviava para passar sua mensagem. Ao contrário de mim e de Primavera, que nunca saíamos de casa sem ser às escondidas.

— Ainda assim, acha que não conseguiriam ver as semelhanças? — O homem suspirou, e seu rosto retornou ao tom original. — Oleandra, eu tolerei diversas rebeldias de sua parte por muitos anos. Mas, se insistir em colocar sua irmã em perigo desse jeito, não terei outra alternativa a não ser cortar qualquer contato entre vocês duas.

A ameaça me irritou. Não por ser uma ameaça em si, mas porque era completamente desnecessária, e porque eu sempre me importei mais com o bem-estar de Primavera que ele. Enquanto ele a jogava em uma aula depois de outra, forçando-a até a exaustão, eu estava ali, arranjando modos de fazê-la se sentir uma criança normal, e de encontrar felicidade fora daqueles muros.

— Minha intenção nunca foi colocá-la em perigo. — Murmurei, o tom forte. Claro que não diria a ele o quão incompetente era como pai, ou o quanto fazia questão da produtividade excessiva acima da saúde mental dos seus filhos, mas, ainda assim, vi-me mordendo o lábio para não gritar os xingamentos mais horrendos em seu rosto.

Ele me fitou com seus olhos grandes e escuros, analisando minha expressão enraivecida.

— Então pare de demonstrar o contrário.

Na volta para meu quarto, parei de chutar cada mobília que eu via pela frente apenas quando ouvi sons suaves e angelicais se espalhando por todo o corredor

Oops! This image does not follow our content guidelines. To continue publishing, please remove it or upload a different image.

Na volta para meu quarto, parei de chutar cada mobília que eu via pela frente apenas quando ouvi sons suaves e angelicais se espalhando por todo o corredor. Não era comum que Primavera tocasse de noite, então, um pouco apreensiva, aproximei-me de seu quarto para ver como estava.

A porta estava semiaberta, então pude observar sua figura fina sentada na cama, abraçando a cítara de modo tenro. Algo na maneira em que movimentava seus dedos, ressoando aquelas notas perfeitamente agrupadas, fazia meu corpo relaxar em imediato, e toda a raiva que senti pelo meu pai dissipar-se por completo.

Eu não queria chamá-la, pois não queria que parasse de tocar. Não era como nas vezes em que Primavera tocou para um público, ou até quando tocou para mim; daquela vez, apresentando-se para ninguém além de si mesma, parecia quase que em um transe, com os olhos fechados e os lábios formando um "O" perfeito. Até seu quarto azul-bebê, de alguma forma que não sei explicar, parecia mais alegre, quase dançante.

Foi então que notei, na mesa de cabeceira ao lado de sua cama, um vaso com um pequeno girassol. Eu já tinha visto aquela flor muitas vezes antes, mas pude jurar que sua posição havia mudado. As plantas faziam isso às vezes, dependendo da posição da luz ou da frequência na qual estavam sendo regadas, mas...

A folha solitária abaixo de seu caule começou a se mover para cima e para baixo ao ritmo da música, dançando sob o estímulo das notas.

Era um fenômeno inexplicável, que eu obviamente nunca vira antes, mesmo em todos aqueles anos estudando plantas.

Mas não se tratava só do girassol.

Flagrei-me involuntariamente repetindo o movimento com uma das mãos. Fora um movimento tão natural que eu nem sequer conseguiria dizer quando exatamente havia começado, mas, não importava o quanto eu me esforçasse, não conseguia parar de mover minha mão.

O Fim de OstaraWhere stories live. Discover now