Algumas horas antes…
Ezra’s POV
Sai da cama tentando fazer o mínimo alarde possível. Hannah estava enrolada no lençol, respirando tranquilamente e, sendo sincero, nada me daria mais prazer do que continuar junto a ela. Bem, talvez os acontecimentos das últimas horas me tenham dado um pouco mais de prazer. A menina era fogo e água, tudo ao mesmo tempo, juntos num estado de suma perfeição. Como conseguia? Não fazia a mínima ideia, mas gostava. Adorava. Aliás, amava.
Fui até ao armário para procurar qualquer coisa para vestir. Os “convidados” deveriam estar quase chegando. Seria uma reunião divertida. Anjos, demônios e humanos, todos juntos, na mesma sala, lutando pelo mesmo objetivo. Provavelmente, seria necessário separar alguns pares, no início, mas as lutas tenderiam a diminuir, com a aproximação da guerra. Ou, pelo menos, eu esperava.
Saí pelo quarto da humanazinha, para não a incomodar, e quase tropecei no pequeno corpo sentado no chão, com as costas na parede.
- Olá? – disse eu.
Era um humano. Eu conhecia aquela cara. Era o pequeno profeta dos humanos. Queria aquilo significar que pelo menos a Resistência já havia chegado.
Baixei junto a ele.
- Então, guri, o que anda fazendo por aqui? – perguntei.
Ele olhou para mim, desconfiado. Tinha de admitir que, em nosso último encontro, eu não me encontrava particularmente calmo, então, não o podia censurar.
O que quer que tenha visto em mim, não lhe pareceu totalmente demoníaco. Sem uma palavra, me entregou um pedaço de papel, como aquele que previra meu confronto com o anjo e consequente desencadear da guerra. Aquele parecia um pouco menos confuso.
- Isto são casas? – apontei para o conjunto de quadrados com um triângulo como teto.
O miúdo assentiu.
- É a cidade? Esta cidade?
Assentiu novamente.
Conseguia distinguir a destruição, no desenho, na forma de fitas vermelhas de fogo, casas que pareciam inacabadas e homenzinhos de pau deitados no chão, provavelmente, mortos. Mesmo no meio, via-se uma figura negra, ligeiramente maior do que as outras, na horizontal, com um enorme “X” vermelho em cima.
- E o que é isto?
A criança me olhou com aqueles olhos azuis demasiado grandes e, simplesmente, apontou para meu peito.

Hannah’s POV
Passadas algumas horas no quarto com Ezra, em momentos de paixão interlaçados com abraços sonolentos, meu estômago começou doendo. Mudei de posição, na cama, numa tentativa pouco frutívora de enganar a fome. Teria mesmo que descer à cozinha. Cuidadosamente, para não acordar o demônio que dormia a meu lado, empurrei os lençóis e virei-me para fora.
Um braço pesado caiu em cima de mim.
- Aonde vai? – murmurou a voz enrouquecida pelo sono, sem sequer abrir um olho.
- Comer.
Recebi um grunhido engraçado como resposta e levantei. Passando pelo closet, peguei num robe escuro e grande que tinha um agradável odor a canela. Apertei o cinto com um nó forte e saí para o corredor.
Acabara de fechar a porta quando um vulto virou a esquina e aproximou. Meu primeiro instinto ao sentir o cheiro pesado das especiarias foi voltar para dentro do quarto e acordar Ezra, mas o demônio, simplesmente, passou por mim, rapidamente, sem me olhar, baixando a cabeça numa reverência pouco graciosa. Continuou seu caminho, me deixando confusa vezes dois: uma vez por aquela reverência, outra vez porque não fazia a mínima ideia de quem era ou o que fazia ali.
- Fico feliz por, finalmente, ter a honra de conhecer a… Companheira de nosso chefe.
Virei de novo para o início do corredor, de onde vinha aquela voz não muito grave, mas extremamente rouca, quase frágil, como se estivesse quase quebrando. Pertencia a um outro demônio. Alto e magro, possuía cabelos cor de ébano, num contraste arrepiante com a pele de marfim, apenas aumentado pelos dois poços da mesma escuridão do cabelo que possuía como olhos. Não me admirei que fosse muitíssimo bonito, apenas que parecesse tão… Frágil.
- Meu nome é Yeres, Guardião da Cidade de Dite. – se apresentou ele, com as mãos atrás das costas e um aceno respeitoso de cabeça.
- Heresia. – comentei, me referindo ao círculo que guardava.
- De fato. – deu um pequeno sorriso, como se estivesse agradado por tê-lo reconhecido.
- Hannah. – estendi-lhe a mão, todavia, em vez de a apertar, pegou-a, delicadamente, em suas mãos frias e levou-a aos lábios.
- Encantado. Devo dizer que estamos todos extremamente curiosos para conhecer você.
Ergui as sobrancelhas em interrogação.
- Dois de nós foram mortos por sua causa.
Engoli em seco e dei um passo a trás, me aproximando da porta.
- Não serviam para nada, de qualquer modo. – ele continuou, com um careta de desagrado. – A Khaya era uma mesquinha com sede de sangue e o Avaria era um fraco egoísta. Não serão lembrados com saudade.
Expirei, com alívio.
- Mas isso não significa que não nos perguntemos como é que é possível uma humana manipular dois Guardiões tão poderosos como são Ezra e Lucas.
Estreitei os olhos num desafio, mas ele preferiu ignorar.
- Permita-me acompanhar você onde quer que estivesse indo.
- À cozinha. – informei.
Ele estendeu o braço e fui obrigada a aceitar, mesmo que aquele demônio me causasse calafrios. Não possuía a natureza alegre de Lucas, ou o magnetismo erótico de Ezra. Era… Estranho. 
- Já que parecesse conhecer tão bem os sentimentos dos demônios em geral em relação à minha pessoa, talvez, seja capaz de me explicar a razão pela qual aquele se curvou perante mim.
- Não é óbvio? – inquiriu, começando nosso caminho até à cozinha. – Com Lúcifer convenientemente desaparecido, é em Ezra que os demônios procuram liderança, auxílio e segurança. – sim, eu recordava palavras com um significado próximo daquelas provenientes de Lucas. – Estar com ele coloca você numa posição poderosa. Todos lhe devemos respeito, mesmo que seja uma humana e, consequentemente, inferior, e que tenha começado como escrava.
- Continuo sendo uma escrava.
- Não foi isso que o Guardião disse durante a reunião, há umas horas.
- O que é que ele disse? – olhei-o, atentamente, sentindo o coração bater ligeiramente mais rápido.
- Disse que se não queríamos ter o mesmo destino infeliz do Avaritia e da Khaya, deveríamos tratar você com o respeito que lhe devemos a ele, ainda que acrescido pelo fato de ser uma fêmea. – fez uma pausa para pausa quando chegámos ao topo das escadas. – Fez-nos, igualmente, jurar que protegeríamos você, sempre, mesmo se ele não estivesse. E já há muito tempo que não jurávamos nada. – me olhou, de esguelha. – Foi este juramento que publicitou sua posição como algo mais do que uma simples escrava.
Tentava entender que repercussões teria aquilo que o demônio me dizia. Pela forma como o fazia, parecia algo importante e me sentia ligeiramente lisonjeada. Talvez, houvesse um lugar para mim no futuro de Ezra. Talvez.
- Quem é esta gente? – inquiri, descendo os degraus. A sala estava cheia de demônios e humanos, quase em harmonia, mas fazendo barulho.
- Ezra transformou sua casa em quartel-general e decretou-a território neutro.
Chegados ao fundo das escadas, senti o braço de Yeres endurecer e, logo depois, fui atingida pelo perfume fresco de citrinos e flores, quando a porta abriu.
Daniel liderava um grupo de anjos, todos vestidos de branco, como se tivessem medo de ser confundidos com outras espécies.
- Hannah. – baixou, respeitosamente, a cabeça. Não consegui encará-lo por mais de cinco segundos sem sentir uma vontade absurda de o magoar e, depois, vomitar. Felizmente, meu olhar captou outra coisa que me distraiu.
- O que é que está fazendo aqui? – perguntei, fixando o anjo à esquerda de Daniel. Como me poderia esquecer-se dele? Já passara algum tempo, mas, se fechasse os olhos, era capaz de reproduzir tudo, novamente, desde o modo como me olhara, passando à mão pesada em mim, acabando com Ezra atirando-o ao chão.
- Que tipo de recepção é esta? – ele parecia divertido.
Yeres deu um passo e se colocou na minha frente.
- Felizmente, não tenho quaisquer recordações de ti, anjo maldito, mas aconselho você a refrear seus ímpetos na presença da senhorita. – declarou, friamente, me surpreendendo.
- Oh, mas eu sei quem você é. – Benjamim se aproximou de Yeres, com um sorriso de deboche. – É o humano. O humano santo que se tornou anjo e, depois, caiu em desgraçada. Não me admira que esteja com a humana. É como se fosse sua prima, não é? Tem de ser. Não pode ser mais do que isso, afinal, se diz que você nunca aprendeu a usar o que tem entre as pernas, se é que o tem.
- Passei pelas três formas, o que apenas me torna mais sábio do que você. Se tens tanta curiosidade sobre o que tenho entre as pernas, talvez possa aprender a usá-lo em você.
As orelhas do anjo enrubesceram até um bonito tom vermelho escuro.
- Quer que acabe com você o que comecei com ela? – não precisei muito tempo para entender de “ela” era eu e que se referia ao nosso anterior encontro, quando fugira de Ezra. – Ou, talvez, possa continuar com ela e você assista, para ver se sobe.
Não foi necessário passar mais do que alguns segundos para a entrada da casa de encher de demônios, todos desconhecidos para mim, mas colocados à minha volta, como um escuro protetor.
- Se experimentar com ela, terá de experimentar com todos eles. – afirmou Yeres. – E, acredita, não vai gostar.
O que quer que Benjamim fosse acrescentar, ficou perdido com a mão que Daniel lhe colocou no peito.
- Não viemos aqui para lutar. – declarou o Domínio. – Estamos todos juntos nisto e vamos nos comportar. Conseguem fazer o mesmo, demônios?
Yeres respondeu com um escolher de ombros neutro e despreocupado e, colocando minha mão novamente em seu braço, nos afastou da multidão.
- Obrigada. – agradeci.
- Não tem de quê.
- Por que é que eles fizeram aquilo? Os demônios.
- Tal como disse há pouco, é nossa missão proteger você. E uma briga com anjos é sempre uma boa briga. – acrescentou, com um meio sorriso.
Ainda não tínhamos chegado à cozinha quando começamos ouvindo os gemidos. A pele na minha nuca arrepiou, juntamente com a curiosidade de descobrir o que se passava, o que não era muito difícil de adivinhar porque os gritinhos, que não tardaram a aumentar, não tinham como ser outra coisa. Meses antes, diria que alguém estava sendo torturado. Naquele momento, sabia, perfeitamente, de que espécie de doce tortura se tratava. Troquei um olhar compreensivo com Yeres e, silenciosamente, colocamos nossas cabeças dentro da cozinha. Um demônio estava de costa para nós, totalmente vestido de negro, mas com movimentos rítmicos dos quadris que indicavam que, pelo menos, uma parte de sua anatomia não estava coberta por tecido. Era encurralado por uma Eliel desesperada que, sentada na bancada, o segurava entre as pernas e fincava os pés calçados com saltos altos no traseiro de seu parceiro. Moviam-se rapidamente, como se tivessem pressa de acabar, o que eu compreendia, porque podia ser apanhados a qualquer momento, o que, de fato, estava acontecendo.
Minha boca caiu contra minha vontade quando reconheci o remoinho de cabelo forte na cabeça do demônio. Olhei para o lado, à procura de apoio, mas não foi Yeres que encontrei, a não ser Ezra, que olhava a cena, fascinado.
- Sabia disto? – inquiri, apontando para o centro de calor, que eram Eliel e Lucas.
- Se sabia que era possível ter sexo naquela posição, sim, sabia, e você também. Se sabia que o Lucas andava trepando a minha empregada, não, não tinha a menor ideia. – sussurrou, sem desviar o olhar. – Sabe, tem o decote dessa coisa demasiado aberto e temos o armário das vassouras mesmo atrás de nós.
- Quer dizer algo com isso? – por instinto, comecei a brincar com as pontos do cinto.
A verdade é que não dava para esconder. Ver uma cena assim aquecia qualquer um e Ezra era o Guardião da Luxúria, afinal de contas. Desviando a atenção dos dois demônios – que, pelos sons, pareciam estar prestes a terminar – se aproximou de mim, enlaçando-me a cintura.
- Quero dizer que quero fazer coisas novas… - ia esfregando o nariz em meu pescoço, me fazendo arrepiar. – Com você… No armário… Onde todos nos podem encontrar… Mas não o farão.
Não conseguia compreender como é que ainda era possível Ezra e eu próximo termos vontade, depois das últimas horas, mas assim era.
- O fim do mundo está aí... – sussurrei, entre gemidos causados pela doce fricção do nariz e dos dentes de meu demônio em minha pele. – Temos de aproveitar, não é?
Ele murmurou algo que soou como um acordo e me levou pelo cinto ao tal armário das vassouras, que não era, de fato, um armário, mas um quarto minúsculo. Com a porta fechada, Ezra puxou o tecido e, instantaneamente, seu robe desceu por meus ombros, caindo no chão.
- Apesar de gostar de ver você com as minhas roupas, fica muito melhor assim.
Vi o sorriso lascivo em seus lábios e o fogo acesso em seus olhos, antes de me encostar de frente para a parede. Uma palmada forte em meu traseiro, seguido por uma mão exploratória e uns dentes trilhando meus ombros e a nuca e aprendi que ele não precisava de me olhar nos olhos para me faz estremecer por dentro.

Entre Anjos e DemôniosWhere stories live. Discover now