H&M As Peças VI

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Holmes e Moriarty se viram em uma sala razoavelmente grande, o assoalho de madeira parecia muito novo, e os dois puderam sentir aquele cheiro de eucalípto no ar. Todas as paredes estavam repletas de estantes pesadas, que iam do chão ao teto, completas com um acervo de livros, a maioria dos volumes voltados para medicina, direito e economia. Uma grande mesa de mogno estava posicionada diante das enormes janelas, que tornavam o ambiente claro e acolhedor, duas poltronas de couro aguardavam até que alguém as ocupasse.

Abraham Carter estava parado. Encarava as ruas que se estendiam a frente através das vidraças perfeitamente limpas, virou-se para eles e sorriu com gentileza, mas algo em sua expressão revelava que ele estava muito cansado. Ele saudou-os.

-Bom dia, Sr. James, Sr. Pennyworth. -Ele estendeu as mãos, que tremiam um pouco em direção as poltronas. -Sentem-se por favor.

Ele usava um terno simples, mas bastante elegante. O seu cabelo tingido em tons de cinza e branco, possuía uma aparência que outrora deveria ter chamado muita atenção. Ele mesmo se sentou em sua cadeira, quando A srta. Diaz chegou com uma enorme bandeja de chá e algumas guloseimas. Ela deixou-a sobre a mesa e o fitou com preocupação, ao que ele apenas assentiu, assegurando-o que tudo estava bem.

-Imagino que o assunto seja Liza Andrews. Ou talvez a doce Margery. - Ele tomou um gole de sua xícara absorvendo o sabor e o aroma do chá.

-O senhor era próxima de Margery? - Ele fitou o líquido âmbar e encarou William.

-Margery Collins... Foi minha paciente. Eu a conhecia razoavelmente. Eu acho. Mas nunca se sabe, Quando você acha que conhece as pessoas com quem convive, elas te surpreendem. Por isso muitas vezes, uma amizade de anos pode quebrar. - Um suspiro quase inaudível escapou de sua boca.

-Está se referindo a Liza? -Sherlock indagou, avaliando cada reação mínima do médico.

-Cometi muitos erros com a falecida Sra. Andrews. -Ele engoliu em seco. Sua voz um pouco rouca. -Liza não merecia. - Abraham segurou a cabeça entre as mãos e lágrimas começaram a rolar insistentemente por sua face.

-Acalme-se Dr. Carter. Não vamos pressioná-lo. - Sherlock assegurou.

-Não... Eu preciso falar. Liza... Bem... Ela era perfeita. Irreverente, bela, inteligente, absolutamente encantadora. - Ele suspirou e prosseguiu. - No momento em que a vi, eu a quis, não existe outra forma de descrever. Mas veja bem, ela estava apaixonada pelo meu melhor amigo. - Ele riu, mas seus olhos estavam carregados de tristeza.

-Prossiga. -William incentivou, provando um pouco do seu chá. Adequado, ele pensou.

-Isso não me pareceu justo. Ele tinha tudo, tudo. Um nome, uma boa família, poderia ter qualquer mulher que ele quisesse. Mas por que escolher Liza? - Ele terminou seu chá em um gole, e cruzou as mãos posicionando-as sobre a mesa.

-Lembro que na época, eu fiquei louco de ciúmes. Não que esteja tentando justificar os meus atos. -Assegurou, mais para si mesmo do que para os detetives.

-O que exatamente o senhor fez? -Sherlock perguntou segurando a xícara vazia entre as mãos. -Dr Carter o mirou, seus olhos vazios e mais perdidos do que ele julgara ver em alguém.

-Eu a envenenei. -Admitiu com uma expressão vazia e um tanto perturbada.

-Para que ela morresse? - Moriarty questionou calmamente repousando a xícara no pires.

-Por Deus, não! Eu a amava. Mas... -Ele hesitou, incerto. - ...comecei a preparar um remédio para que ela não pudesse engravidar. Eu sabia o quanto Gregory queria um filho, sabia que isso iria afastá-la dele, que isso provavelmente iria destruí-los... - Falou com a voz baixa e trêmula.

-Não foi uma escolha muito sábia. - Holmes continuou e o homem apenas assentiu com a cabeça.

-Eu demorei anos para perceber que não, por isso eu parei. E pedi a Deus que desse um filho a Liza, eu aceitaria qualquer castigo. - Carter não estava chorando, mas seu rosto expressava certa mágoa.

Talvez com Liza por nunca tê-lo amado, ou com o melhor amigo, por tirá-la dele. Quem sabe até consigo mesmo, por deixar que seu suposto amor o cegasse daquela forma tão egoísta.

-Desde aquela época, nós nunca mais reconstruimos a amizade que tínhamos. E eu perdi Liza para sempre. Ela nunca mais me olharia com afeto e amor fraternal. Tudo que eu tinha dela, era desprezo. No final, acho que foi justo, eu mereci. - Ele sorriu, mas foi um sorriso que não chegou aos olhos.

-Então, o senhor não viu Liza Andrews no dia de sua morte? -Sherlock continuou, provando um dos muffins de banana, faltava açucar, ele pensou.

-Não, na verdade fiquei bastante surpreso. Ela não parecia ter inimigos. - Disse com calma.

-Liza, pelo que dizem, era uma mulher diferente, ser diferente muitas vezes ofende, principalmente aqueles que querem permanecer na medíocridade de serem sempre iguais. - William acrescentou observando-o.

-Está certo, Sr. Pennyworth. É um homem sábio, Liza teria adorado conhecê-lo. - Acrescentou com delicadeza, fitando Moriarty insistentemente.

Sherlock franziu o cenho, claramente incomodado, e perguntou um pouco mais ríspido do que planejara.

-E Margery? - Pigarreou tentando disfarçar.

-Bem, o coração dela estava fraco. Eu a avisei com insistência que ela deveria tomar cuidado. Não passar por fortes emoções, na nossa idade tudo é mais complicado. Mas há certas coisas que não podemos controlar. - A Srta. Díaz entrou e retirou-se com a bandeja vazia, Holmes devorara tudo.

-Se refere a algo em específico? - Ele alisou a gravata com padrões claros e escuros, impecavelmente colocada.

-Bem, ha boatos de que um antigo conhecido viera visitá-la esses dias. Mas eu não sei. Eu quase não a vejo, apenas quando a minha presença se faz requisitada. - Ele parou e refletiu, a dúvida estampada em sua face

-Vocês deveriam falar com a protegida dela, sua sobrinha Elize Collins. - Abraham acrescentou sem muita certeza. Os dois assentiram.

-Obrigada por sua cooperação. -Os três apertaram as mãos. Sherlock agradeceu e se retirou junto de William que seguia pensativo e silencioso.

O tempo estava nublado quando eles saíram para a rua calma e silenciosa onde Carter realizava o atendimento de seus pacientes. William parou e Sherlock perguntou preocupado.

-Você está bem? - Deslizou a mão para a sua testa. Moriarty sorriu e segurou-a, beijando os dedos longos.

-Eu nunca estive melhor. -Ele puxou-o para um beijo suave e seguiu seu caminho, deixando o outro confuso e ao mesmo tempo feliz.

O Amor Que Eu SonheiOnde histórias criam vida. Descubra agora