sete.

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HARRY.

     FECHEI a porta do quarto de hóspedes atrás de mim e fiquei imóvel por um instante, com a mão ainda na maçaneta.
  
   Será que eu não havia esquecido de nada? Será que ele precisava de mais alguma coisa? Eu disse a ele onde estavam as toalhas, não disse? Talvez ele quisesse um cobertor a mais Desodorante? Lâmina de barbear?

   O que está fazendo? Deixe o cara em paz.

    Tirei a mão da maçaneta rapidamente, como se estivesse em brasas, e desci a escada. Depois de trancar a porta dos fundos e ligar o alarme, andei pela cozinha na penumbra e notei seu caderno sobre a bancada, ao lado do celular. Peguei o caderno, controlando-me para não abri-lo.

    O que seria? Um diário ou algo assim? Um roteiro? Minha curiosidade a respeito dele brigava com minha consciência. Deixe isso aí, seu babaca. Seja lá o que for, é particular.

    Devolvi o caderno à bancada, mas não conseguia parar de olhar para o objeto. Talvez ele quisesse ficar com o caderno lá em cima. E o celular?
  
   Talvez ele precisasse do telefone, não? Pare com isso. Provavelmente, ele já está dormindo. Eu poderia bater à porta de leve. Você poderia esperar até amanhã cedo.

   Mas talvez ele quisesse ligar de novo para o amigo naquela noite.

  É só um pretexto e você sabe disso.
Era mesmo. E eu sabia. Franzindo a testa, fiquei lá parado por alguns minutos com o celular dele na mão. A verdade era que eu me sentia atraído por ele, e não era só por causa da aparência. Era por sua simpatia e seu otimismo. Seus modos. Sua gratidão. Ele me pareceu ser do tipo que dá valor às coisas, ao contrário de muitos americanos. E gostei de como ele viera para cá determinado a mudar de vida, deixando tudo e todos para trás.

   Não porque achava que merecia algo melhor, mas porque tinha um sonho e estava disposto a lutar por ele. Ele era quase como alguém vindo de outra época – parte de uma geração de imigrantes que chegou aqui e fez deste país o que ele é hoje.
 
   Eles podiam não ter muitos recursos, mas tinham coragem. Força. Determinação. E, tudo bem, confesso, gostei que ele tivesse tirado os sapatos sem eu ter pedido.

   Mas também estava preocupado com ele. Do que ele ia viver? Tinha
pelo menos algum dinheiro guardado? Onde ia morar? O que ia comer? De alguma forma, eu sentia vontade de protegê-lo, quase como
se, já que eu o tinha resgatado, agora fosse minha responsabilidade garantir que ele ficasse bem aqui.

   Não seja ridículo. Ele tem vinte e quatro anos, não doze.

  Ele não precisa de você. Além disso, ele já tem um amigo no país. Mas veja a situação em que ele havia colocado Louis. Quão irresponsável ele era? E Louis não conhecia mais ninguém, então talvez precisasse de alguém como eu para ajudá-lo. Pelo menos até
fazer novos amigos.

   Não que isso fosse demorar. Ele provavelmente logo arranjaria uma
namorada também. É claro que arranjaria. Uma jovem linda e loira
com grandes olhos azuis como os dele. Cheia de curvas. Com pernas longuíssimas. Eles se apaixonariam rapidamente e se casariam sem demora, o que resolveria a questão de sua imigração, mas ninguém jamais acharia que ele havia se casado com ela só para poder ficar – seria evidente o quanto eles amavam um ao outro. Seriam absolutamente perfeitos juntos. Sua vida de sonho se transformaria em realidade. Corta para o pôr do sol.

   Eu estava irracionalmente irritado com tudo aquilo.

   O que significava que não tinha importância se eu quisesse passar
mais alguns minutos conversando com ele aquela noite, certo? Afinal,
depois que ele partisse no dia seguinte, eu provavelmente não o veria nunca mais. Então que fosse assim.

   Tirei o carregador da tomada.
Concordei com um movimento rápido de cabeça e fui em direção à porta, mantendo uma boa distância em relação a ele.

   – Boa noite.

   – Boa noite – ele respondeu.

   Mas eu já estava na metade do corredor.

    DEZ MINUTOS DEPOIS, eu estava deitado em minha cama, olhando para o teto, com as mãos entrelaçadas atrás da cabeça.

   Estava irritado comigo mesmo. Eu deveria saber que não podia permitir que aquele meu lado depravado viesse à tona, ainda que rapidamente. Tudo que eu pretendia alcançar na vida dependia de conseguir manter aqueles desejos sombrios e confusos enterrados. E eu já não era mestre na arte do disfarce? Já não passara anos aprendendo a controlar minha libido? Já não havia conseguido reprimir qualquer desejo proibido, de modo que agora eu já não tinha desejo algum? Por que eu permitia que algumas horas na companhia de um estranho bonitão estragassem tudo?

  Porque é gostoso desejar.

  Expirando, fechei os olhos. Era mesmo boa aquela sensação sombria e perigosa que ele despertara em mim. Eu me sentia viril. Carnal. Vivo. Sentia fome, sede, vontade. Mesmo naquele instante, aquela sensação ameaçava vencer minhas barreiras conforme eu deslizava minha mão direita para dentro das calças.

   Porque é gostoso desejar. E ele é gostoso pra cacete.

   Meu pau ficou duro na minha mão enquanto eu imaginava o peito nu, o abdômen durinho e o V profundo de Louis. Joguei as cobertas para o lado, odiando a mim mesmo.

    Porque é gostoso desejar.

  A pele dele estaria quente e úmida do banho. A boca firme e os lábios finos. As mãos fortes. Gostaria que fossem as mãos dele em mim em vez das minhas. Queria que as minhas estivessem nele. Eu queria ser rude com ele, puni-lo por me fazer sentir daquele jeito. Ser punido por ele por me sentir daquela maneira, por me entregar a ele.

   Porque é gostoso desejar.

  Minha mão ficou mais forte, mais rápida, mais apertada. Meus
quadris se flexionaram. Meu estômago se contraiu. Imaginei nós dois juntos – dois corpos, fortes e rijos indo um de encontro ao outro –, sem fingimento, sem pudores, sem desculpas.
 
   Ouvi meu nome em seus lábios. Lambi sua pele. Senti seu corpo todo enrijecer – ou talvez fosse o meu –, toda a tensão terrivelmente presa dentro de mim, como se ainda estivesse tentando reprimir o desejo, guardar o segredo, domar a fera, mas estivesse condenado a falhar, não havia nada mais forte que o tesão naquele momento, nenhuma força tão grande, e tudo o que eu era escapou de mim de forma repentina, rápida e pulsante.

   Depois, com o coração ainda martelando no peito e o abdômen pegajoso, fiquei lá deitado, torcendo para não ter feito nenhum barulho ou, se tivesse feito, que o corredor que separava nossas duas portas tivesse sido suficiente para abafá-lo.

   Um minuto depois, fui ao banheiro me limpar, bravo comigo mesmo por ter me permitido tal fantasia, mas determinado a não pensar mais naquilo. O que fiz foi errado, mas no fim não queria dizer nada. Não precisava me angustiar ou me torturar. Eu não estava confuso; só tive um momento de fraqueza, nada mais.

   Mas agora o momento tinha passado, e eu havia recuperado totalmente o controle do meu corpo, da minha mente, dos meus atos.

   E não perderia o controle de novo. Não mais.

i choose you.Wo Geschichten leben. Entdecke jetzt