Capítulo 30 - Uma viagem sem bilhete de regresso.

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Sábado, 26 de junho.

 Acordei às 5 da manhã. O cruzeiro parte às 8. Fui preparar o pequeno-almoço enquanto o Ricardo foi acordar a Sara. Tomámos o pequeno-almoço e fomos para o porto. Às 7 embarcámos e fomos guardar as malas no quarto. Depois fomos para a piscina, bem, eles foram para a piscina, eu fiquei a apanhar sol.

 Aquilo era espantoso, vimos dois golfinhos, a Sara adorou-os e perguntou se podia ter um. Odeio ser desmancha-prazeres mas por favor, quem é que tem golfinhos de estimação? Tudo bem que sejam lindos e fofos e tal, mas era preciso um aquário enorme e espaço, coisa que não temos. Passamos a tarde toda ali nas piscinas, depois fomos jantar ao restaurante do barco, a comida era tão boa que acho que engordei uns 5 kg. Fomos para o quarto, coisa que a Sara não queria porque não gosta de dormir. Mesmo assim adormeceu cinco minutos depois de se deitar.

4 a.m

 Toda a gente acordou nesta hora. Ouvia pessoas a gritar e crianças a chorar. Parecia tirado de um filme de terror. Peguei na Sara ao colo e corri atrás do Ricardo. Saímos do quarto, metade do corredor estava a arder. Fomos em direção à parte frontal do cruzeiro. No caminho, ouvimos uma miúda a gritar, ela dizia "Mamã, papã, tirem me daqui, a porta não abre" o Ricardo mandou-nos seguir em frente e foi ajudar a menina. Continuei o caminho com a Sara, todos os passageiros estavam ali, ou quase todos. Ainda não tinha entendido bem o que se tinha passado. Pus a Sara no chão e olhei à procura do Ricardo. Não o encontrava. Olhei para baixo e a Sara já não estava lá. Só me faltava esta. Vi-a a voltar para dentro, provavelmente à procura do Ricardo. Corri para tentar alcança-la mas um guarda impediu-me de entrar. Começei a gritar com ele a dizer que a minha filha tinha entrado à pouco e agora estava, muito provavelmente, sozinha. Um guarda foi procurar a Sara enquanto eu fiquei ali, em pânico. Não encontrava, nem o Ricardo, nem a Sara.  Algum tempo depois algumas partes do barco começaram a cair para o mar. Já ninguém estava a salvo. Vi algumas pessoas a serem atingidas por um bocado de madeira em chamas e ninguém ajudava ninguém. Fui procurar a Sara. Não via ninguém. Todas as pessoas que via estavam mortas, até os guardas, até os comandantes, por isso o Ricardo e a Sara também estariam provavelmente, morro por dentro só de pensar. O barco estava todo em chamas, quando digo todo, é todo mesmo. Não tinha nenhum lugar para ir por isso atirei-me ao mar. Sim, eu tenho problemas mentais. Deixei a minha filha e o meu namorado lá no barco, para morrer afogada ou comida por tubarões ou golfinhos. Pronto, golfinhos talvez não. 

 Estive horas eternas à deriva no mar, cheia de sede. Estava rodeada por água que não podia beber, o que me dava mais sede. Vi um helicóptero no céu. Tentei acenar com uma mão para não me afogar, não sou grande nadadora, até a Sara nada melhor que eu. Felizmente, o helicóptero viu-me e baixou uma corda, subi e eles deram me uma toalha e comida. Eu não queria comida, eu queria água mas eles não tinham. Levaram-me para terra e dezenas de jornalistas resolveram fazer me perguntas. A única coisa que lhes disse foi "Eu só quero que encontrem a minha filha e o meu namorado". Se eles estão mortos, eu também estou.

RefúgioWhere stories live. Discover now