Coral Roses

O Castelo antes do Primeiro Mundo

Quando abri os olhos, por um segundo pensei ver grandes olhos de botões negros me encarando, mas na realidade era a escuridão dos olhos de Jack me olhando. Os olhos de Jack sempre foram aquilo, aquele abismo que parecia me sugar cada vez que nossos olhares se cruzavam, pra falar a verdade nunca havia visto olhos realmente negros, a não ser que fossem olhos de botões. Era como estar olhando para o próprio abismo sem fim, e ele, olhando de volta para você. Desviei o olhar rapidamente para não ser sugada, não consigo imaginar ao certo o que Jack havia passado durante esse tempo que estava preso ou perdido nesses outros mundos, mas aquela cicatriz em seu rosto me fazia imaginar. E não era apenas aquela cicatriz a mudança, seus cabelos estavam mais compridos, sua expressão estava cansada e algo dentro dele parecia ter mudado, quebrado ou por um fio. Ou talvez, eu que havia mudado.

Lá fora estava claro, não aparentava ser tão assustador quanto à noite passada quando Jack nos resgatou, pela janela era possível ver a neve brilhando como magia e apenas parecia uma vila comum. Olhei para Jack que estava fora da cama, em pé e sem camisa, senti minhas bochechas queimarem ao ver aquela cena, nunca havia visto Jack sem camisa e não imaginava que o corpo dele poderia ser tão bonito assim. Não era um corpo extremamente definido como vemos nos filmes ou livros, era um corpo padrão, ele não era nem gordo, nem magro demais.

— Você falou algo sobre o gato preto? – Jack perguntou enquanto vestia uma camisa preta de mangas compridas e um casaco de frio por cima. Ele pega algumas roupas e me entrega, roupas confortáveis e quentinhas. Lembro vagamente sobre um sonho com o gato preto, mas tudo parece uma névoa em minha mente.

—Acho que sonhei com ele. – falo enquanto jogo a blusa de frio por cima da blusa que eu já vestia. Tento lembrar o que sonhei e me jogo novamente naquela cama que era muito confortável, na verdade, aquele lugar todo era, era como aquelas casinhas que você vê em filmes ou imagens de quadros onde tudo é simples e surpreendentemente aconchegante.

Jack fica pensativo, mas não fala novamente, ele parece estar preocupado com algo, provavelmente com o que nos aguardava lá fora. Por mais que ali parecia estar tudo bem, era tudo muito longe da realidade. Meus pais estavam sumidos, Toby estava sozinho, provavelmente estávamos em perigo naquele mundo desconhecido, e eu não tinha a mínima ideia do que fazer. Era como se a cada dia que passasse eu me esquecia de um pouco do que havia lembrado, do que era preciso fazer para colocar todas as coisas no lugar.

— Precisamos deter a Elzarella. – Jack fala e me olha, seu olhar penetrante me absorvia como um redemoinho. Era como se ele pudesse ler meus pensamentos, e talvez pudesse mesmo.

—Sim, mas ainda não sei como. – falei.

— Ela não é indestrutível. Ela tem uma fraqueza. – Jack falou, mas ele também não sabia qual fraqueza ela teria.

A imagem de Rudy surgiu em minha mente, o garoto fantasma, o garoto que me acompanhou em minha aventura no outro mundo alguns anos atrás, o garoto por quem me sacrifiquei em uma mesa de pedra, o garoto que amei. Tudo parecia tão distante, mas aquelas lembranças surgiram como uma ventania de tempestade, Rudy havia me magoado de uma forma que eu não conseguia entender, uma forma que havia me deixado em pedaços. Rudy por um bom tempo foi minha fraqueza, e talvez lá no fundo ainda seja, é algo que mesmo com o tempo as feridas indo cicatrizando, a dor vai passando e as lembranças vão se apagando, mesmo com tudo isso ainda fica uma marca. São das coisas que não terminam bem, que terminam sem respostas. Olho para Jack que está distraído com uma coisa em suas mãos, ele e Rudy são bastante parecidos, não a aparência, mas sim a personalidade, às vezes cheguei a pensar que poderiam ser a mesma pessoa, mas em camadas diferentes, em mundos distintos, um se disfarçando do outro, talvez em um mundo bem longe daqui os dois seriam a mesma pessoa, com o mesmo nome, no mesmo corpo. E eu também.