07.1 | GUINCHO

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LOUISA

"Você está tão acostumado a cair
E eu estou tão acostumado a surtar
Você pensava que eu pegaria o jeito
Pensei que amor difícil era o caminho
Então você entrou"
— Getaway Car, Carly Rose 

— Mais três minutos! — grita Rosalie Clement, circulando pela sala de pré-treino. Seu olhar acirrado demonstra que está pronta para dar bronca em qualquer um que ouse transparecer o cansaço em meio aos oito minutos de prancha - apenas com uma mão.

Me olho no espelho, cabelos rebeldes saem para fora do coque enquanto respiro ofegante. Há quem se engane achando que patinação artística é sinônimo de delicadeza, mal sabem que não tem nada de delicado em precisar sustentar o peso do corpo todo em apenas uma perna com lâminas sob seus pés.

Clement passa por mim devagar e eu rezo mentalmente para que não implique comigo hoje. A humilhação de ontem já foi o suficiente. Porém, fecho meus olhos com dor assim que ela ergue meu quadril em uma posição quase cruel. Um palavrão sujo, mas indescritível por conta da exaustão, sai de minha boca em um murmuro.

Assim que terminamos o alongamento, suspirando aliviados, saímos de um cômodo quente, cheios de tapetes azuis e espelhos na parede, para uma pista de gelo enorme e intimidante.

Os pelos do meu braço se arrepiam com o ar gélido enquanto coloco os patins. Todos os treinos são iguais, primeiro Rosalie coloca alguma sinfonia de Beethoven e nos manda fazer certos movimentos enquanto se certifica atentamente se estamos reproduzindo perfeitamente. Spoiler: eu quase nunca estou.

Antes era fácil, a merda de um Flip Jump duplo era como comer um pedaço de bolo, e reviro os olhos ao lembrar que agora essas duas coisas se tornaram difíceis.

Cinco meses antes do acidente, fiquei na sexta posição do campeonato nacional, a única de Dakota do Norte entre as melhores. Era certeza de que em um ou dois anos eu ganharia uma medalha e iria para o mundial. Um dos juízes até mesmo brincou que procurou asas em minhas costas. Eu, genuinamente, acreditei. Estava tão alta que pensei que poderia sair voando. Voando até o topo. 

Isso apenas para cair depois.

Já estou sem ar quando ouço que temos cinco minutos de pausa. Ofegante, pego minha garrafa de água, sentando no banco apertado.

Agora podemos treinar individualmente, focando em nossos solos e dificuldades. Não que este ano eu realmente já estivesse planejando um solo, e minha dificuldade era apenas uma: deixar o passado para trás. Engulo em seco, percebendo que tenho um novo tormento para minha lista. Quando caralhos passei a soar como um livro de autoajuda preguiçoso?

Peito para frente, cabeça erguida, olhos focados em um único ponto – terceira fileira, a memória de Campbell ontem. Seus cabelos escuros caindo sobre o olho enquanto coloca os patins com arrogância.

Giro o corpo na tentativa de fazer um Biellmann Spin, erguendo a perna livre acima da cabeça. Sempre fui melhor em trabalhar com a raiva do que com decepção, de qualquer forma.

Me lembro disso também ao colocar uma roupa e odiá-la, horas mais tarde.  O quarto cada vez mais apertado pelas minhas roupas espalhadas pelo chão.

— Essa merda ficou horrível pra caralho — desabafo. Pareço uma criança fazendo birra, e tenho plena consciência disso.

Porque também sempre é mais fácil culpar o que uso do que a mim mesma, mesmo que eu faça isso o tempo todo.

— Ei! — Cassie protesta — Eu que te dei, esqueceu?

Há quase dois anos, suspiro.

— E eu amei. — encaro o tubinho preto — Por um tempo. Não mais.

TOE PICKS (Quebrando o gelo #1) Where stories live. Discover now