Capítulo 29 - narração

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   São mais alguns segundos em silêncio e eu os passo evitando olhar em seus olhos. Ela deve perceber o clima estranho, porque balança a lata de cerveja em sua mão, parecendo surpresa quando constata que está vazia.

   — Eu vou... — a menina se interrompe, deixando o resto da frase no ar enquanto aponta para a cozinha.

   — Pegar mais bebida — termino por ela.

   Ela assente com a cabeça de novo. Dessa vez, não consigo evitar a encarada e deixo que meus olhos passeiem por seu corpo lentamente. Não numa forma sexual, apesar de ela ainda ser gostosa pra caralho. Só para olhá-la direito, como não fiz ontem, e guardar os detalhes na mente.

   Suas pulseiras são diferentes agora. Ainda são várias miçangas coloridas, mas não são mais as mesmas e ela as usa em menor quantidade. Subindo mais meu olhar, percebo que as gargantilhas em seu pescoço combinam e me pergunto se ela continua fazendo os próprios acessórios como fazia quando mais nova.

   Há também uma nova cicatriz perto do queixo, como um pequeno corte que não teve tempo de desaparecer. Está próxima o suficiente da sua boca para eu saber que deveria ter reparado ontem, mas me traz um certo alívio perceber que eu não a encarei mais do que deveria.

   Quando finalmente meu olhar para em seus olhos, ela também está me encarando. Dividindo o foco entre meus olhos e meus lábios. E eu me deixo ficar perdido nas orbes castanhas, apesar disso atiçar minha vontade de me aproximar dela e esquecer tudo o que já aconteceu para poder juntar nossos lábios. Só para testar se a química que eu me lembro que tínhamos ainda existe.

   Puta merda. Ela voltou há um dia e eu já estou pensando em beijá-la. Isso definitivamente não está saindo como eu imaginei.

   Quebro o contato visual balançando a cabeça para tirar aquelas ideias erradas da mente, e então limpo a garganta. Kiara parece tão afetada pelo breve momento quanto eu, porque também se remexe e ajeita a postura das costas.

   — Então, eu tô indo.

   Sua frase parece muito mais uma despedida do que um aviso de que ela estava indo fazer o que entrou para fazer. E só por isso, e porque eu acho que não quero que ela vá agora, que eu entro em seu caminho outra vez.

   — Não, espera.

   Kiara parece extremamente chocada com meu chamado, mas a surpresa dura pouco tempo. Depois, ela se vira para mim esperando que eu fale o porquê a impedi de ir.

   Okay, eu não tinha planejado as coisas até aqui. Sei que falei à Sarah que tentaria conversar com ela, mas aqui não parece exatamente o melhor lugar para uma conversa que tem grandes chances de terminar em gritos e lágrimas. Bom, pelo menos era assim que todas as nossas conversas sérias terminavam antes.

   Eu limpo a garganta outra vez.

   — Não vou pedir desculpa — eu me interrompo para passar a língua nos lábios — Pelo que eu disse.

   Ela assente com a cabeça e eu posso jurar que vi o lampejo de um sorriso em seus lábios.

   — Nunca pensei o contrário.

   De repente, me vejo sem o que falar. Porque é Kiara e ela sempre sabe o que responder até que tenha a última palavra. A constatação quase me faz sorrir.

   — Só queria que soubesse — eu termino.

   Agora ela nem se dá o trabalho de esconder o sorriso enquanto balança a latinha outra vez. Eu até tento ignorar que seu sorriso ainda é o mesmo, mas deu completamente errado.

   — Tudo bem. Já disse, eu mereci aquela.

   Sua resposta me faz arquear a sobrancelha em sua direção. Kiara parece perceber que falou demais antes mesmo de eu perguntar algo, porque encara o chão como se estivesse envergonhada.

   — Você disse?

   Ela faz uma careta.

   — Não exatamente, mas talvez tenha comentado na minha conta privada do twitter.

   Eu não queria rir e não queria voltar a me sentir confortável em sua presença, mas não posso evitar o pequeno sorriso.

   — Fala de mim em sua rant, Carrera?

   Ela alcança a mesma expressão desafiadora e divertida que eu imagino que estou fazendo agora quando me responde.

   — Mais do que deveria, Maybank.

   Eu sorrio outra vez, agora com um toque de falsa arrogância que não havia usado antes. Deve ser por isso que ela empurra meu ombro de leve e balança a cabeça em negação.

   — Não pareça tão convencido por isso. Deus, você não mudou nada.

   Kiara não parece ter falado isso por mal. Na verdade, acho que era até uma continuação do momento de flerte(?), mas a frase faz meu sorriso diminuir até meus lábios se transformarem numa linha reta. A menina não demora a perceber a mudança do clima, e faz uma careta.

   — Merda. Desculpa, eu... — ela se interrompe e aponta para a cozinha de novo — Agora eu vou. O pessoal tá lá atrás. Vou pegar uma cerveja pra você também.

   Eu assinto com a cabeça, sem ter certeza se concordei com a cerveja ou com a informação de onde o resto da galera está. Na verdade, eu acho que foi só uma tentativa de deixá-la menos nervosa. A gente se deu bem de novo por cinco minutos, o que significa que talvez as coisas não precisem ficar tão estranhas mais.

   Tudo bem, eu admito, isso é muito mais por minha culpa do que dela.

   Ela está prestes a se virar e ir para a cozinha quando eu a chamo, pela segunda vez no dia. E agora ela parece ainda mais surpresa do que antes. E agora até eu estou também, principalmente quando palavras que eu não tinha pensado em falar saem da minha boca:

   — Obrigado por ontem.

   Um sorriso pequeno e tímido volta a aparecer em seus lábios.

   — Sempre que precisar.

Christmas wishes and Mistletoe kissesWhere stories live. Discover now