Capítulo X: O imediatismo do imediato

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Capítulo X

"O imediatismo do imediato"

Kraivin começava a gostar de Behatar. No começo achara tudo muito quente, quase tão quente como diziam ser o Helmus, porém aos poucos seu organismo habituado ao eterno gelo de Glacis começou a tolerar as temperaturas mais amenas. Além disso, o ar de Feritia – não só o da maresia, mas também o das pessoas das mais variadas origens que circulavam pelo porto e dos diferentes produtos ali trazidos pelos navios mercantes, gerando incrível e deliciosa diversidade de aromas – já o conquistava. As cidades costeiras de sua terra natal, com seus grandes fiordes brancos salpicados de entradas para ancoradouros subterrâneos, tinham bem menor encanto. Quando retornasse no dia seguinte a bordo do Barestia, agora como comandante, não saberia se ainda era mais anão das montanhas frias ou mais humano das terras temperadas dos boreais. Talvez um pouco dos dois. Sorriu com o pensamento.

A tarde seguia ensolarada, já havendo se passado várias horas desde a partida de Kal Sul para leste. Do alto do convés do navio vazio, debruçado sobre um parapeito de madeira, seu imediato observava o movimento no cais. Uma nau de pimenta acabara de chegar de Barbety e era descarregada já há algum tempo por funcionários halflings do Armazém Público, parecendo haver uma quantidade interminável das iguarias vermelhas em seu interior. Barcos de pesca de grande porte também voltavam abarrotados do alto-mar, pilhas e mais pilhas de cardumes ainda se debatendo sendo atiradas dentro de enormes redes pelo píer. As embarcações da Marinha, por sua vez, passavam aquele dia por uma inspeção de rotina feita pelo comandante responsável pela região, a preocupação dos marinheiros em deixarem tudo em ordem aos olhos do superior se manifestando em sua pressa e zelo ao limparem os conveses. O agitado porto de Feritia seguia sua vida... e Kraivin começava a se sentir sozinho.

Seus companheiros de tripulação haviam manifestado o desejo, mal Kal Sul botara os pés para fora das muralhas, de poderem aproveitar ao máximo o último dia em Behatar antes de zarparem na manhã seguinte. Sabia que, apesar de muitas vezes compartilhar da alegria dos comandados, o embaixador dificilmente o permitiria sabendo que ainda havia o reabastecimento do Barestia a ser feito antes da viagem de volta, mantimentos a serem comprados. Os marujos haviam guardado seus desejos para Kraivin, e este cedera, vendo-se incapaz de conter o furor de tantos anões loucos por bebida e mulheres. Apesar de seu aspecto e personalidade serem mais ameaçadores que os de Kal Sul... não possuía a mesma experiência no comando de tropas.

Ainda que, tinha de reconhecer, as mulheres de Behatar fossem bem atraentes...

O cheiro forte de pimenta substituiu a lembrança de perfume feminino em seus sentidos, arrastando-o de volta à realidade. Haviam transcorrido três horas desde que o sol estivera no centro do firmamento, e os anões, tendo saído cedo para sua excursão, ainda não haviam retornado. Arrependido por ter consentido que a folga do dia anterior se prolongasse e já certo de que a partida rumo a Glacis seria atrasada devido àquilo, resolveu sair pela cidade em busca dos companheiros... mantendo a esperança de não encontrá-los muito embriagados...

Após descer do navio, esgueirou-se pelas vielas do porto apinhadas de gente rumo às ruas de Feritia, seu corpo volumoso e a armadura larga fazendo com que esbarrasse em muitos dos transeuntes, chamando assim para si a maioria das atenções. Foi insultado por alguns, porém ignorou-os. Outros, ao vislumbrarem seu machado e sua espada, achavam mais prudente abrir-lhe caminho.

Chegou às vias principais, logo encontrando a taverna Eterna Bruma. A muitos metros de distância já se podia ouvir os clamores ébrios em seu interior, fazendo o imediato concluir que fora correto em sua suposição, e que os colegas de navio eram mesmo imensamente previsíveis. Atravessou a rua enquanto era apontado com curiosidade por algumas crianças, abrindo em seguida a porta do estabelecimento. O cheiro de álcool e carne assada pairando no ar do recinto atingiu-o de imediato, causando-lhe o ambíguo desejo de se juntar à bebedeira e ao mesmo tempo encher todos os marujos de safanões.

Heróis de Boreatia: A Perfídia de MackerWhere stories live. Discover now