Habita em mim

02. O Armário

A noite foi como previsto, Tys bebeu, paquerou e até conseguiu um orgasmo decente naquela noite. Mas quando chegou em casa as 02h AM ela só conseguia pensar naqueles olhos... Azuis ou violetas? Ela tinha dúvida agora que ele não estava presente.

- Vala me deus, tô ficando doida, nunca pensei em macho assim antes.

Chamou Hulk e deitou em sua cama.
O quarto de Tys era o que se esperava de uma mulher acadêmica aos 25 anos. Uma escrivaninha amarela, uma penteadeira branca e um espelho com iluminação.. E sua parte preferida era seu guarda roupas.

Não porque ele tinha muitas roupas, mas porque ele tinha centenas de livros!
Professores no geral deveriam gostar de ler, mas a mulher era um furacão quando se tratava de ficção, romance e fantasias. Sim, NADA de matemática, exceto talvez uns 5 ou 6 livros sobre educação.

Tys nunca gostou ou foi boa em matemática, sua praia era e sempre foi ler. Mas como uma teimosa nata se graduou e especializou nessa área para provar a si mesma que podia ser boa naquilo. E ela ficou! Ficou tão boa que ganhou dois prêmios municipais e um estadual como professora do ano, e estava concorrendo a melhor metodologia de ensino a nível internacional!

Mas ela nunca gostou realmente daquilo, fazia pois ficou boa e os horários eram flexíveis. Que outro emprego oferece duas férias ao ano e emenda todos os feriados possíveis?

Ela sentia que ainda não estava no lugar onde queria chegar, mas também não sabia ainda onde era exatamente esse "lugar".

-Hulk, acho que a gente devia sair do país e fazer um mochilão pela Europa - ela virou rindo e disse ao cachorro após pensar onde ela queria chegar na vida.

Com 25 anos, solteira e morando na casa dos avós a mulher, que ainda se achava uma menina não tinha muita perspectiva e estava inquieta com sua realidade.

Não estava conseguindo comer nem dormir direito, só pensava em beber, transar e violência. Sim, violência pois ela reprimia todo seu gênio forte por pura educação dada em sua criação cristã. Educação essa dada por avós que a acolheram após o abandono dos pais.
Ela não gostava nem de tocar nesse assunto.

Com tudo isso em mente, Tys virou para o lado abraçada a seu projetinho de cachorro e dormiu pensando em onde estava e onde queria estar. Mas os olhos, esses não saiam de sua cabeça.

......
Quarta feira dia 17 de Novembro foi estranho. Tys acordou, olhou a previsão do tempo, como Átila instruiu no dia anterior, e foi trabalhar de carro, pois além de estar sem a moto, estava chovendo.

- Por que diabos chove tanto esse mês?

- Olha a língua Tayla Fernandez! - gritou sua avó lá da cozinha - somos todos crentes nessa casa, cuidado com quem você está invocando chamando esse nome!

Tys simplesmente revirou os olhos e se despediu dos seus avós para ir ao trabalho.

O tempo todo pensando no novo professor de história, aqueles olhos lhe eram familiar, ela só não conseguia se lembrar de onde.
Quando chegou na escola mandou uma mensagem para Átila:

"vagabundo, pede alguém pra buscar minha moto aqui na escola, deixei ela aqui ontem e é perigoso alguém arranhar minha Harley, que inclusive foi um presente seu, só por despeito, sabe como esse povinho da escola é. Xoxo te amo❤️".

Assim, trancou o carro e entrou na escola.

A primeira coisa que notou na sala dos professores era que seu armário estava aberto, a segunda era que o novo professor de história estava em frente a ele mexendo onde não deveria.

- Ei! Kayo né ? Porque você está mexendo no meu armário? Tem meu nome bem aí na porta.

- Bom dia Tys, como passou a noite ?

-Bem obrigada. E o armário?

- Ahh sim, Izabel me forneceu a chave pois como os outros estão ocupados e o seu quase não é usado, ela decidiu que dividiremos esse aqui.

De ressaca e dor de cabeça, ela se virou com uma calma sobrenatural, respirou fundo e disse.

- Não é porque não uso que não tenha coisas pessoais aí, pede a Izabel para lhe arrumar outro armário e devolve aqui as chaves porfavor. Ou se preferir, pode ficar com o armário e eu retiro as minhas coisas, já que não é TÃO usado assim.

- Ok, sem stress, vou conversar com ela acerca disso, mas por hoje, posso deixar minhas coisas aqui?

Tys analisou a situação, meia dúzia de professoras assanhadas com cara amarrada para ela por negar alguma coisa ao novo professor bonitão, e aqueles olhos que a encaravam intensamente, não custava muito dividir o armário pelo bem coletivo.

-Ok, a gente divide, só não encosta nas minhas coisas. A parte superior é minha.

- Obrigada Tys. Mas acho melhor você ficar com a parte inferior, visto que você é mais baixa que eu uns 30 centímetros.

A professora de matemática olha embasbacada com a ousadia desse filho da mãe historiador de quinta categoria, respira fundo, conta até dez e diz:

- Vai te catar ohh gigante Golias.

O professor simplesmente gargalha e diz:

- Eu fico com a parte de cima, pode ser ? E a propósito, meu nome é Kallil.- disse ele dando uma picadinha bem na hora em que o sinal toca virando as costas e caminhando para o pátio.

"Bem coletivo é uma OVA", ela pensou indo para sua sala

......

Durante as suas aulas Tys teve a inquietante sensação de estar sendo observada, mas isso era impossível, a escola não possui câmeras dentro da sala de aula e seus alunos dificilmente a filmavam pois ela era rígida em relação a isso e eles sabiam. Olhou através da janela, pela porta e até dentro do armário de sólidos geométricos, e nada! Estava angustiada com essa situação, mas preferiu deixar pra lá, afinal a ressaca pode causar coisas.

O que a professora em questão não percebeu foi um corvo, tão preto que parecia absorver a pouca luz do dia, e com olhos tão azuis que brilhavam de cima de um fio, observando cada movimento que ela fez durante aquela manhã.