1. A Última Noite

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A coisa mais terrível sobre o fim do mundo era a sua incontestável beleza. Fitando a noite através da janela de seu aposento no Palácio de Seda, Lana Altharian sentia que nunca tinha visto uma noite mais bonita. A injustiça daquele momento não podia ser descrita: era também sua última noite de vida. Quando a manhã chegasse, ela seria executada por traição. 

Lana havia chegado à corte real aos dezoito anos. Era a única filha do Rei Elbor, Senhor Supremo dos Reinos do Norte, e fora dada em casamento ao Príncipe Herdeiro do Império Navânida para selar o acordo que anexava as terras nortenhas ao território imperial. No começo, a Imperatriz Viúva a tratava como a joia da coroa e o reino se postou aos seus pés quando a notícia de que ela havia concebido na noite de núpcias se espalhou. Apesar disso, o fascínio exercido pela corte real logo começou a desaparecer quando aquele mundo mágico e de efervescente política se revelou como o palco central da intriga e da maldade.

A primeira lição que a jovem aprendeu foi a da desconfiança. Os jogos de poder norteavam a vida na corte e até os servos tentavam suplantar uns aos outros para obter influência. No seio da família real era ainda pior: não havia afeto ou respeito que fossem verdadeiros e os membros constantemente se apunhalavam pelas costas, às vezes, de modo literal. A única coisa que interessava era a coroa e os muitos filhos do Imperador viviam somente para tentar conquistá-la ou para estar perto dela. Muitos mataram diante de seus olhos, e ela quase morreu algumas vezes, mas decidiu jamais desapegar dos ideais de justiça que havia aprendido em casa. Lana tentou se manter íntegra, afinal era isso que os nortenhos faziam. Os Reis do Norte governavam há gerações com mão de ferro, especialmente no tocante ao combate a corrupção, e o povo confiava no seu pai devido ao seu notável senso de honra e a sua inquestionável retidão. Seu marido, evidentemente, provou bem rápido que era muito diferente dela. Ao Príncipe Herdeiro, tudo que interessava era a manutenção de sua posição. Não nutria amor pelos filhos e nem pela esposa. Sua amante era a Coroa e nada o seduzia mais do que a oferta do trono. Era polido diante do público, mas no âmbito privado era sempre violento e cruel. Pouco a pouco, o amor infantil de Lana pelo esposo deu lugar ao medo e ao asco, mas também a um profundo senso de cumprimento do dever. Naquele lugar, geralmente eram todos obrigados a escolher entre o dever e a vida.

A derrota na Batalha de Nahara foi um duro golpe para o Império e simbolizou a perda de uma das regiões mais prósperas da Coroa. A cidade de Nahara era a principal responsável pelo abastecimento dos artigos mais importantes do reino e precisava ser retomada. O Imperador tomou essa tarefa para si pessoalmente, mas nada aconteceu como o planejado. No fim das Guerras pela Reconquista, o Império havia sido derrotado e o sangue de milhares se espalhava por uma terra amalgamada e torturada. O próprio sangue real estava ali: depois de seis décadas de um próspero reinado, o Imperador havia caído em batalha. Seu título agora pertencia a um jovem inexperiente, que precisava assumir uma economia fragilizada e um reino fragmentado.

O peso do manto de Imperatriz era mais do que Lana tinha desejado e rapidamente se tornou insustentável. O povo, faminto por causa da guerra, havia começado a ser abatido por uma praga cruel que não poupava nem os mais ricos e nem os mais pobres. Seu marido se recusava a fazer qualquer coisa para ajudá-los e logo um movimento opositor começou a ganhar forças, estimulado pelos terríveis atos do novo Imperador. Ele tampouco parecia se importar com isso. Acreditava ser o mais forte do mundo, pois tinha o poder de executar quem quisesse na hora que desejasse. Seu hobbie era condenar os opositores, fornecer banquetes de luxo e participar de orgias com as damas do harém. O povo fenecia e os nobres se exaltavam, mas enquanto ele estivesse no poder, nada mais tinha significado.

Então veio a cisão e as quebradiças estruturas do poder do novo Imperador ficaram ainda mais abaladas. Grande parte dos aliados reais abandonou o trono para apoiar o Príncipe Otto, que era o irmão do Imperador e que costumava ser o segundo na linha de sucessão antes do falecimento do pai de ambos. Claramente tendendo a uma liderança mais humanizada, Otto passou a representar para a corte e para o povo a esperança de um governo mais justo e menos opressor.  Dia após dia, Otto arrebanhava mais seguidores e até Lana passou a torcer em segredo para que os planos do príncipe dessem certo, mesmo não sendo tola o bastante para anunciar esse desejo em voz alta. 

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